sexta-feira, 22 de março de 2013

O carnaval de 1982 - O Dodge Dart: a semana pré-carnavalesca (estirado na grama e derrubando os mascarados)


 
Depois da farra das virgens de Olinda o barco estava completamente preparado para a semana pré-carnavalesca que batia as nossas portas. Durante esse semana pelo menos duas noites foram dignas de serem registradas para a posteridade: combinamos que alguns dias passaríamos pelas ladeiras de Olinda e outros na avenida Boa Viagem onde também já existia um interessante carnaval de rua; na verdade lá o carnaval de rua era um monte de carro, um atrás do outro, desfilando lentamente (no tempo dos nossos pais isso era chamado de corso...). Parecia ser uma excelente opção, tinha exatamente o perfil glamoroso que se encaixava nas nossas pretensões: desfilar orgulhosamente, ao longo da cidade,  o possante carro perante a turba maravilhada.. 
Então os mesmos componentes das estripulias das virgens estavam a postos para mais esse desafio, munidos de cervejas e batidas de Vodka que rolavam em todos os compartimentos do carro, inclusive o do motorista.
Na quarta à noite partimos para Olinda com o mesmo grupo de pessoas. Paramos o carro na avenida Liberdade, na praça do Carmo, exatamente defronte da atual faculdade FOCCA. Esse era o nosso ponto de apoio. Daí partiram para explorar as ladeiras da bela cidade, alguns como Marta e sua loló, e também  Alice e Paulinho. Os demais ficaram inicialmente no carro numa farra etílica.
Lembrando as recomendações de Dr. Fernando, Carlinhos chamou Izabel e solenemente iniciou suas inúteis recomendações:
 
- se liga garota, nada de  agito e farra, tu é de menor !!!
- sai dessa primôôô, cuida da tua vida e da tua cerveja q cuido da minha, isso aqui é muito bom, vou para a farra !!!
- se sair da linha coloco vc no trilho de novo.
- tchauuu, já sai da linha a muito tempo, o trem descarrilhou, não tem trilho nenhum por aqui, tô indo pular nas ladeiras e ninguém me segura....uauauauakkkkkkkk
- Bebellllll, volte aqui meninaaaaaaa ... (não houve reposta, Bebel já tinha cruzado a primeira ladeira atrás do bloco que passava...)
- Carlinhos deixa de frescura e vem aqui virar esse tubo de vodka  (gritou uma voz feminina perdida em cima do carro, era Martinha....) ...
 
O mundo alumiou, a noite tornou-se mais bela e Carlinhos partiu atrás da voz do além que o convidava ao delito alcóolico. Enfim, aconteceu o que prevíamos: jamais iria tomar conta da sua prima, a bebida seria sua prioridade. 
A noite passou sem mais anormalidades e lá na alta madrugada a turma pegou o beco para casa.. O carro partiu e no meio do caminho, numa área desolada perto dos Bultrins, fraquejou, tremeu de um lado, balançou de outro, arriou o seu lado direito e aí percebeu-se que o pneu já era, furou, exatamente num local deserto apropriado apenas para esconderijo de meliantes.
O barco parou,  Carlinhos desceu, cambaleou completamente alcoolizado e praticamente desmaiou  num resto de gramado ao lado da calçada, ficou estatalado no meio das pedras, urtigas e cactos. Alexandre e Marcelo, os únicos representantes do sexo masculino (os demais tinham voltado para casa antes disso...) desceram rapidamente, não para socorrer o motorista desmaiado, mas para tentar efetuar a troca de pneu, tarefa essa que se prenunciava impossível em virtude das forças escassas dos dois, decorrentes de horas de farra pelas ladeira de Olinda. As meninas (Marta, Alice, Andrea, Izabel, Cristina, Ana Kátia e mais algumas que não lembramos mais...) continuaram na maior tranquilidade completamente alienadas em relação a situação desesperadora.
Vendo seu primo estirado e inerte , Bebel gritou:
 
- ei primÔÔÔ acorda para cair de novo !!! kkkk
- vem tomar conta de mim, sou de menor !!! kkkk
- pessoal, bota um tubo de quick com vodka na goela dele que ele acorda !!! kkkk
 
A algazarra tomou conta do carro. Nesse meio tempo apareceu do nada um caminhão enorme, diminuiu a velocidade, viu o desespero e parou uns metros adiante. Desceu da boleia três negões estilo NBA (baskete americano...), dobrados, gigantes, e se dirigiram ao centro das atenções, o carro avariado, e perguntaram às belas meninas com voz retumbante em coro:
 
- E AÍ MENINAS, PRECISAM DE AJUDA, ESTAMOS AQUI PARA O QUE DER E VIER ???  
 
Alexandre e Marcelo gelaram, tremeram, empalideceram, imaginando já  a terrível notícia no Bandeira 2:
 
"ATENÇÃO, ATENÇÃO, ATENÇÃO....LINDAS MENINAS SEDUZIDAS A FORÇA NOS BULTRINS POR TRÊS NEGÕES  DESCONHECIDOS.  OS DOIS AMIGOS, QUE AINDA ESTAVAM SÓBRIOS, TENTARAM REAGIR E FORAM SEDUZIDOS TAMBÉM.  O OUTRO, COMPLETAMENTE EMBRIAGADO, QUE DORMIA ESTIRADO NO MEIO DO MATO, FOI SEDUZIDO VIOLENTAMENTE SEM ESBOÇAR QUALQUER REAÇÃO".

As meninas continuaram tranquilas e brincando e não tinham a mínima ideia do perigo que corriam. Dessa vez foi Marta que gritou se dirigindo dessa vez aos NBAs:

- E aiiiii parceiros, dá um cheiro no cangote do galego que ele acorda .. kkkkk
- Se num resolver troca o estepe dele.....uauauaukkkkk
- Se ainda não acordar bota esse tubo de loló nas ventas dele q ele levanta na hora .... kkkkk

Por incrível que pareça os Afro-descendentes foram muito educados, desconsideraram a piadinha da jovem aloprada e trocaram rapidamente o pneu do carro.
A volta do carro foi feita tranquilamente com Petrônio, que milagrosamente apareceu do nada, dirigindo na mais completa paz o carrão enquanto o motorista aposentado Carlinhos jazia inerte no banco de trás.


Na quinta-feira à noite fomos para a avenida Boa viagem conhecer o carnaval da zona sul. A informação que tínhamos era que o carnaval por lá baseava-se apenas em desfilar com o carro na avenida (o velho "corso"....), então partimos nessa direção com todos os integrantes do barco a postos com suas respectivas cervejas e vodkas. No meio do caminho pegamos alguns passageiros, Alice na avenida Norte,  Alexandre e Andréa no Pina, atravessamos a Conselheiro Aguiar e nas imediações do Castelinho entramos na beira-mar. O trânsito parou, estava tudo engarrafado, era carro para se perder de vista. O barco navegava em marcha lenta, sem vento de popa e de proa. A turba dominada pela cerveja se divertia alegremente, em cima, dentro e também nas vizinhanças do possante automóvel.
Em dado momento Carlinhos não aguentando mais o regime de dirigir sem se divertir largou a direção e me pediu para continuar guiando a passos de tartaruga. Pela primeira vez assumi brevemente o volante visto que nesse dia Petrônio não estava. 
Na nossa frente ia uma caminhonete com um monte de gente em cima, todos mascarados, entornando garrafas e mais garrafas de Rum Montila. Passamos um bom tempo nesse ritmo: nosso carro perambulava lentamente com sócios e convidados entornando suas cervejas e batida de Vodka e o carro da frente no mesmo ritmo no mau gosto da bebida cubana.
No banco da frente lá ia eu de motorista temporário; depois de um tempo de castigo enquanto os demais se divertiam decidi pedir a aposentadoria da função; porém, não deu tempo para isso, de repente percebi um vulto de mulher pulando no banco da frente, cantando em êxtase contaminada pelo frevo nordestino, num alvoroço sem igual: era Bebel. Não sei bem o que aconteceu  mas a partir daí o que me lembro foi uma "crônica de uma morte anunciada". Numa fração de segundos o carro, seguindo um impulso desconhecido, projetou-se para frente numa velocidade um pouco maior que o habitual, além do ritmo da caminhonete, o que ocasionou um leve esbarrão nesse veiculo, gerando assim um leve tremor no carro da frente; pelo que me consta apenas um dos mascarados deu uma leve balançada e se esparramou no caçamba, os demais se equilibraram com tranquilidade. Enfim, o esbarrão foi breve, simples e sem maiores consequências porém a turma do Montila fez um carnaval em cima do carnaval. Foi o maior drama: simularam quedas, arranhões e outros martírios sem precedentes. Vi alguns já com garrafas em punho com a intensão de nos revidar uma provocação inexistente. Com certeza tudo isso era ativado pelo álcool que deixava os mais nervosos e exaltados , valentes. 
Rolou um breve bate-boca dos dois lados, ameaça daqui, ameaças de lá ; estávamos em desvantagens pois percebemos uma grande quantidade de mascarados com físicos bem mais privilegiados do que os nossos mirrados músculos; além disso nossa diminuta coragem em assumir qualquer conflito nos colocava em inferioridade completa.
Aos poucos surgiu a turma do "deixa disso", os ânimos foram se acalmando e em questões de poucos minutos tudo voltava ao normal. Os mascarados foram curtir seu Rum e nós as cervejas e vodkas. 
O futuro advogado Carlinhos já exercendo seus dotes técnicos, simulando um breve interrogatório, iniciou uma interminável listas de perguntas descabidas:

- Duuuuuuuuu, que POR¨%$A foi essa, vc tá maluco , tututu batetetesse no carro da fente...?? (leve tremedeira - não de medo - mas decorrente do porre etílico....)
- Foi nada não CarlinÔÔ, fica tranquilo que o carro nem andou foi o outro que deu ré..kkkk , disse Bebel.
- Cala boca menina, fica na tua, não te mete não que eu quero é saber o que houve. Eu vi nosso carro batendo no carro dos mascarados ....
- Sei não Carlimhos, acho que meu pé gerou um reflexo incondicionado, provocando espasmos musculares que pressionaram o acelerador involuntariamente .. - falei
- É Isso aí DuÔÔ, foi isso mesmo...tá vendo CarlinhÔOOOOOO o nosso carro bateu sozinho. Nós num tem culpa não !!! cai fora e vai tomar tuas cachaças para lá.........kkkkk
- Eu quero saber o que aconteceu, o carro bateu exatamente quando você pulou no banco da frente !!!!  teu carnaval vai acabar hoje mesmo se tu não se ajeitar ok garota ??
- Se o meu acabar o teu acaba rapidin também primoÔÔÔ, Tio Fernando vai saber q tu tá de porre no volante, bebum..bebum ; digo também que cê ontem desmaiou na grama, que nem uma jaca,  e deixou os negões me agarrar....kkkk

A conversa entrou em loop num vai-e-vem sem fim, um duelo entre Carlinhos e Izabel até que uma alma caridosa nos chamou lá de cima ; subimos no palco, que era o teto do carro, deixando repentinamente Carlinhos de volta a sua função original: motorista embriagado.
A noite continuou sem maiores problemas e quando a madrugada adormeceu partimos de volta para o lar. 
 
A Semana pré terminou na sexta à noite em grande estilo; uma noite de gala. Em 1982 ainda existia a tradição de curtir as noites de carnaval em clubes que era ainda, na época, um evento tradicional e muito animado;  portanto, a primeira e única festa chique que participamos junto com o Dodge foi uma bendita prévia no Clube Português nessa sexta-feira. O mesmo grupo que foi às virgens e que curtiram as estripulias dos dois últimos dias, exceto um ou outro que se dispersou inexplicavelmente, preparou-se para o baile procurando as fantasias mais adequadas para o evento.
Com a exceção de Alexandre, que decidiu por um distinto Almirante, todos os demais cavalheiros partiram para fantasias de piratas e as jovens garotas de ciganas. Almirante, piratas e ciganas registraram a foto para posteridade. A noite transcorreu normalmente, com exceção de Carlinhos que virou todas as cervejas do clube imaginando-se um perfeito pirata "Barba-Negra"em pleno bacanal.
Enfim, fomos apresentados a semana pré e consequentemente plenamente preparados para o carnaval de verdade...     
 
 
Dentro do Clube Português.
  







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