quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Diário de viagem: San Francisco e a ilha de Alcatraz.




No mesmo dia que peguei pela primeira  vez o famoso bonde de San Francisco fiz um passeio muito interessante: conhecer a residência oficial do gangster Al Capone, a ilha de Alcatraz. A ilha fica localizada no meio da baia de São Francisco, inicialmente foi utilizada como base militar, e somente mais tarde foi convertida em uma prisão de segurança máxima. Atualmente, é um ponto turísitico operado pelo National Park Service junto com a Área de Recreação Golden Gate. 
Alcatraz foi uma base militar de 1850 a 1930. Em 1 de Janeiro de 1934 foi inaugurada como Prisão Federal. Durante seus 29 anos de existência a prisão alojou alguns dos maiores criminosos norte-americanos, como Al Capone e Robert Franklin Stroud (o Birdman de Alacatraz). A prisão foi fechada em 21 de março de 1963, menos de um ano e meio após a primeira fuga realizada na prisão.   
Durante 29 anos a prisão nunca registrou oficialmente fugas bem sucedidas. Os que tentaram foram mortos ou se afogavam nas águas geladas da baia. Três fugitivos, Frank Morris, e os irmãos John e Clarence Anglin, desapareceram das sua celas em 11 de junho de 1962. Somente algumas provas foram encontradas, e elas levam a crer que os prisioneiros morreram, mas, oficialmente, ainda estão listados como desaparecidos e provavelmente afogados. Em  1979 foi feito um filme sobre essa fuga com  Clint Eastwood chamado Escape from Alcatraz.



Vista de Alcatraz da proximidade do ponto do bonde.  


Em 1976, o Complexo de Alcatraz foi listado no Registro Nacional de Lugares Históricos e declarado Local histórico ncional em 1986. A partir de então tornou-se ponto turísitico.
O ponto de partida para o passeio à ilha localiza-se num dos pier que margeiam a baia de San Francisco . Fiz um tour pela manhã nessa área, especificamente no pier 39, visitando inúmeras lojas, bares e restaurantes. O pier é muito bonito e original, apresenta uma vista muito bonita tanto da ilha quanto da maravilhosa Golden Gate.
Os restaurantes são inúmeros, destacam-se-se o Bubba Gump (quem lembra do filme Forrest Gump ?) e o Fisherman´s Warf, ambos especializados  em comidas do mar; as lojas são muitas e extremamente originais. Enfim, é um ponto obrigatórios para os turistas de passagem pela cidade. 



Entrada do Pier 39.



O pier 39 e suas lojas


Embarcações no Pier.



O dia estava muito bonito, o sol brilhando, o vento agradável circulando pelo pier era um anúncio de um manhã belíssima. Porém, como já havia falado em outra oportunidade, o tempo de São Francisco engana. É importante prestar atenção: se a neblina aparecer lá pela bandas da belíssima ponte  Golden Gate então, prepara-se, o vento vai sobrar frio demais.
  

A neblina e a Golden Gate


Almocei numa das lanchonetes da redondeza e logo após caminhei em direação ao Pier 33 de onde partem os barcos para lar de Al Capone. Nesse momento, por volta das 14.00hs,  já se vislumbrava a neblina cobrindo grande parte da Golden Gate, mensagem da natureza alertando que o frio estava chegando; comprei o ticket e aguardei na fila a chegada do Ferry-boat (tem hora marcada); após um tempo de espera, de pelo menos uns 30 minutos, partimos em direção a Alcatraz.
A parte interna do barco estava com uma temperatura agradável mas quando fui tirar fotos na proa, na área desprotegida,  o vento do pacífico cortava todas as dobras do corpo; a paisagem era belíssima, portanto esqueci o frio - apesar do sol e o ceu aberto - e coloquei em ação minha máquina fotográfica, buscando todos os ângulos possíveis; na minha frente a ilha aproximando-se lentamente, do lado esquerdo a Golden-Gate e sua neblina, virando para trás uma paisagem magnífica da cidade de San Francisco encravada solene bem no alto de morros e colinas.  


A ilha de Alcatraz vista do barco.


A cidade vista na parte de trás do barco


O vento sopra direto da Golden Gate em direção ao barco ; nas minhas pesquisas soube que  as piores celas (acredito que para os delinquentes mais rebeldes...) de Alcatraz ficavam virados para essa conhecida ponte, isso quer dizer que os marginais hospedados nesses quartos tinham o frio como punição da natureza. 
Chegamos tranquilo ao destino ; O frio no barco não é nada comparado com o da ilha que recebe toda o sopro do pacífico de cara, antes de chegar ao continente. No desembarque o frio aumentou, mesmo caminhando no sol quente, sem qualquer nuvem no ceu, comecei a tremer sendo necessário caminhar mais rápido pelas ladeiras da ilha visando esquentar o corpo.  





Chegada na ilha - o ceu limpo e o frio lascando o ambiente


  

Os prédios do sistema prisional, incluindo as áreas administrativas e  a casa de detenção, foram edificados na área central da ilha, na parte mais alta, enquanto as demais edificações de apoio na parte mais baixa. Toda a estrutura é circundada por ladeiras e também escadarias que interligam a parte mais baixa à mais alta. Das ladeiras vislumbramos uma paisagem magnífica do oceano. O prédio principal que "hospedava" os delinquentes tem 4 andares e está muito bem preservado. Na sua entrada ainda conserva a frase "Indians Welcome" (entre 1969 e 1971 indígenas americanos, incluindo casais, crianças e estudantes, ocuparam a ilha reinvidicando a construção nessa ilha de um centro de estudos para os nativos americanos, um centro espiritual indígena e um centro ecológico - esses invasores acusavam o governo de Richard Nixon de quebrar diversos tratados indígenas).



Entrada principal - "Indians Welcome"

As celas distribuídas em 4 andares - "Indians Welcome"



ladeira em direção a parte mais alta

Umas das torres de vigilância


A mesma ladeira vista agora da parte mais alta.






Vista com os dois planos da ilha. interligadas por ladeiras e escadarias


Ponto mais alto da ilha com vista para toda baia de São Francisco - ao fundo a cidade e uma de suas pontes

 outra vista do ponto mais alto agora olhando para o lado oeste - contrário ao da cidade





O frio estava grande. Pensei em circular pela ilha e com isso pegar um pouco de sol. Subi as ladeiras que margeiam a lateral da construção principal até o ponto mais alto onde localiza-se um mirante; lá tirei algumas fotos, procurando observar os detalhes da paisagem deslumbrante. Nesse ponto a brisa cortante do pacífico me fazia companhia, sendo assim voltei rapidamente para o prédio principal com o objetivo de conhecer a área interna, exatamente onde os presos se hospedavam, e também pensando em fugir do vento gélido - o sol continuava brilhando, e nenhuma nuvem o enfrentava.
Todas as construções, apesar de muito antigas, são muito bem cuidadas, mantendo suas estruturas originais. Para os turistas existem bons banheiros no lado de fora, bem como no prédio principal. Os americanos são ótimos em vender então, como não poderia deixar de ser, existe uma loja vendendendo todo tipo de lembrançinhas: de chaveiros com a fisionomia de Al Capone, enfeites de sala, quadros com paisagens da ilha, camisas, enfeites de geladeira, etc. 
Deixei para o final a loja e suas lembrançinhas e entrei no prédio principal que na verdade era a entrada principal da prisão (aquele prédio de 4 andares citado anteriormente). Foi um alívio, não por estar na prisão, mas por escapar do frio. 
Logo no primeiro corredor vi uma mensagem de boas-vindas na parede que era um singelo recado para quem se hospedava nesse hotel de luxo. Diz o seguinte: "  Break the rules and you go to prision, break the prision rules and you go to Alcatraz" (quebre as regras e vá para prisão, quebre as regras da prisão e vá para Alcatraz). .


Entrada principal


Um recadinho para os hóspedes




Chegando perto do recadinho.




O vestiário


o banho














A estrutura interna foi toda preservada, os refeitórios, os chuveiros, os vestiários - nesses observei que até as fardas originais dos hóspedes estavam em exposição - limpas e passadas - a sala de controle e administrativas mantinham aparelhos telefônicos da época e até uma geladeira com a marca da coca-cola registrava os vestígios do passado. Vi também exposto em um túnel, que interliga duas ladeiras,  um automóvel "Ford" bem antigo, acredito que dos anos 40 .
A área destinada as sessões de relaxamento, ou seja, as celas, é claustrofóbica, talvez se acostume depois de um certo tempo de estadia, mas a primeira vista é sufocante. Os quartos são individuais e pequenos, observei uma pia, uma privada, dois apoios de ferro fixados na parede, provavelmente para servir de mesa para a refeição, e mais nada; nas celas que percorri não observei qualquer vestígio de camas. Não usei o guia com  fone de ouvido, foi mais interessante circular a vontade observando com calma cada detalhe. 
No final entrei na bendita loja de gifts (presentinhos); pensei em comprar um casaco por causa do frio mas desisti depois que vi o preço e também, principalmente, depois que vislumbrei um chá quente servido por poucos dólares. Circulei ainda pela loja por mais alguns minutos, não vi nada mais de interessante e aí peguei a reta de volta ao barco. Na viagem de volta não me arrisquei a curtir o gélido visual na área externa, me aconcheguei num banco e cheguei são e salvo em terra firme 30 minutos depois.
Minha última impressão de Alcatraz foi saber - isso não tive como resposta até o presente momento - com que privacidade Al Capone fazia suas necessidadades impostas pela natureza, visto que não existem portas compactas de ferro para fechar a entrada das celas mas sim portas gradeadas. Não sei -  essa é uma questão muito importante - mas tudo indica que ele se acostumou.....
O famoso Gangster foi preso não pelas acusações de assasinatos e afins mas sim por dívidas com o imposto de renda. Sua condenção, anunciada em 1931, foi de 11 anos de prisão, sendo transferido em 1933 para essa aconhchegante estação de repouso ficando até 1937, data essa que teve sua pena revista em virtude de problemas de saúde. Morreu em Atlanta em 1947.   


Possível visão de Al Capone relaxando



(Setembro/2010)


                                    

 


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Histórias da Tamarineira: O fusca e as domésticas.



O mês de janeiro de 1978 iniciava-se agitadíssimo: a revolução da disco-dance havia chegado ao Brasil nesse verão e balançava as noites das boates (agora transformadas em discotecas..) ao som das músicas dos Bee Gees e na dança de John Travolta. O filme Saturday Night Fever acabava de ser lançado (Dezembo de 1977) e sua trilha sonora maravilhosa, toda composta e interpretada pelo grupo australiano, redefiniu as noites de uma geração de jovens.   
Nessa época nossos dias e noites na praia do Pina eram preenchidos  entre as caminhadas pelas suas areias brancas, o futebol com os desocupados da região (Brasilia Teimosa, Bode, Encanta Moça, etc), as cervejas geladas nos diversos bares do bairro (Telhado Azul, Peixada do Lula, Churrascaria Mocambo, Maxime, Feijoada do Leopoldo, Bar do Erasmo, Praia Lanche, dentre outros) e os balanços dos "Embalo de Sábado à Noite" na boate Malibu e no Caktus Bar.
Enquanto isso no outro extremo da cidade, na Tamarineira, na pacata e bucólica rua Canápolis, longe das discotecas, nosso amigo Marcelo já circulava pelos quatro cantos da redondeza no seu carro novíssimo, um fusca bege, presente de seu pai (o saudoso Dr;Tenório) pelo seu sucesso no vestibular.   


Fusca 1978 idêntico ao usado nos passeios noturnos da Tamarineira


Após um longo e cansativo ano de estudo, agora usufruíamos o resultado dos nossos esforços: estávamos completamente carecas, universitários de carteirinhas e já devidamente matriculados (o que nos fez também subir o Morro da Conceição por ordem da também saudosa Dona Mariinha, cumprindo assim uma promessa sua..). 

Dr.Tenório encontrava-se viajando com o restante da família e assim nosso amigo Marcelo, exercitando seu espírito de liderança, comandava  seu lar, determinava as leias, estabelecia seus horários e escolhia despreocupadamente seus programas, onde beber, onde investir, como buscar suas "namoradas" pelas esquinas do bairro.  

A proposta inicial seria dar umas voltas pela vizinhança e terminar a noite  no bar do viaduto da avenida norte (aquele mesmo que um dia havíamos bebido, comido, e fugido no fusca branco de Petrônio sem pagar a conta....), mas Marcelo tinha alterado a estratégia e pré-estabelecido um novo objetivo: circular aleatoriamente em busca de mulheres, solteira ou casada, não importava, contanto que fossem "domésticas", as quais, na prática, eram mais experientes, vividas, menos reprimida e consequentemente bem resolvidas sexualmente. 
Era uma alternativa mais adequada em relação ao que na época chamávamos de "meninas de família" que exigiam, na maioria dos casos, relacionamentos formais (mãos dadas, pedido de namoro aos pais, beijos discretos e raros "avanços sexuais").  

A genética (pele, altura, corpo, cabelo,etc) dessas mulheres não nos interessava, eram apenas detalhes que tornavam-se insignificantes comparados com objetivo maior que era a  situação laboral de "empregada do lar" cheirando a tempero (alho, quento, cebola, coloral, cuminho, etc) e que lavasse prato, essas seriam as características para serem  incluídas na nossa associação privada, o "Clube das Domésticas".             
A agremiação foi criada nos início dos anos 70, entramos por osmose e ficamos sócios sem querer, a vida nos colocou lá, um puxando o outro, e juntamente com Marcelo, Carlinhos, Zé, Mastro e Ricardo, fizemos escola. Aprendemos bastante, cada um evoluiu no seu ritmo, alguns mais rápido e tornaram-se lideres, outros mais tímidos e ficaram lá na retaguarda na posição de liderados. Porém, sem exceção, todos cruzaram o limite para a vida adulta usufruindo as benesses e regalias destinados ao clube.. 
Enfim, nesse submundo onde o escuro era claro, a lua era o sol, e os muros e calçadas da Canápolis, Abaeté e imediações, eram aconchegos para gemidos e sussurros, serviu de escola para todo o grupo.      
     .    
No sábado a noite partirmos em direção ao nada. Marcelo no volante do fusca beje atravessou o portão do  quintal da sua casa, desceu a direita na Canápolis no sentido da Abaeté e foi reduzindo a marcha até estacionar na esquina do Bar Lanterna Verde. Olhou para um lado, olhou para outro, calado estava, calado ficou. Esperou alguns minutos e novamente deu partida no carro e continuou a marcha dizendo apenas - vamos simbora, acho que elas estão mais pra frente, lá perto da casa de Linduarte, Arsenio, e Bolo Cozido. 


Casa de Marcelo - saida do quintal pela Canápolis

Bar Lanterna Verde - esquina da Canápolis com Abaeté


Bolo Cozido e seus irmãos eram as pessoas mais desconectadas da redondeza, maloqueiros desvairados que circulavam aleatoriamente pelas ruas, dia e noite, sem estudo nem trabalho, e usavam o tempo livre em todo tipo de vagabundagem. 
Eles não eram os únicos loucos, a herança genética havia partido dos pais, e confirmamos isso (o que já era óbvio) quando um dia vimos um fato inusitado, impensado, absurdo e que contrariava toda a lógica de comportamento de uma sociedade civilizada:
Os jovens receberam de presente dos pais um cavalo. O equino foi posto no quintal da casa e ali assentou o local como o seu lar, o seu pasto. Para os passeios diurnos, como a residência não tinha corredores laterais que ligassem o quintal ao jardim, era necessário que o animal, entre uma relinchada e outra, atravessasse a cozinha, abanasse a cauda na sala de jantar, batesse os cascos na pequena varanda, soltasse um "pum" no jardim e finalmente colocasse as patas na rua, onde deveria fazer seu passeio diurno. Em pouco tempo a notícia espalhou-se pelo bairro e a caminhada surreal tornou-se um sucesso até o dia (alguns meses depois) que o pobre animal morreu de inanição. 

Continuamos nosso jornada agora ao longo da Abaeté, passamos pela casa de Dode (Pai de Santo e torcedor rubonegro), da família do treinador de basquete Serrano, e mais algumas outras e ao seu final viramos a esquerda na rua José de Vasconcelos, onde nosso motorista foi diminuindo a velocidade até estacionar na primeira esquina bem próximo à residência dos aloprados.

As domésticas já estavam prontas e a um sinal de dedo de Marcelo (aquele já conhecido código de "venha aqui") se aproximaram e entraram no carro cheirosas e sorridentes. As duas sentaram no banco de trás e novamente o fusca iniciou sua viagem em direção oposta ao que havíamos combinado, para minha surpresa seguíamos em direção a FECIN. 

A FECIN (Feira do Comércio e Industria), onde hoje é o atual parque da Jaqueria (inaugurado em 1985), era uma imensa área cercada de mato que anualmente, na área livre e desmatada, recebia a feira de negócios patrocinada pelo estado. Além da feira, ao seu redor, surgiam algumas atrações populares tais como roda gigante, trem fantasma, tobogã, bares e comidas típicas da região, e tendo como atração especial a Monga - aquela mesma do Pina - "a mulher que virava macaco". 

O local servia também para, nos momentos de inoperância da feira e das atrações, receber casais que desejavam encontros que ultrapassassem o limite do flerte; os carros chegavam de mansinho, devagarinho, e os seus ocupantes, escondidos entre o verde virgem da redondeza, o sussurro da coruja, os mosquitos, os pirilampos e o silêncio da noite, o utilizavam como um motel ambulante.      

As duas amigas de Marcelo, e que já eram minhas amigas também, estavam bastante maquiadas (estilo halloween) e como falamos extremamente cheirosas (provavelmente a "Leite de Rosas"), não muito bonitas (isso era um problema...), mas desinibidas (ótima qualificação..), falavam e sorriam bastante e não se surpreenderam com o caminho percorrido em direção a FECIN, o que era natural já que tudo havido sido planejado entre elas e Marcelo. 
Marcelo, um eterno  galanteador, iniciou um despretensioso papo:

- trabalharam muito hoje ?
- sim.
- aonde ?
- na cozinha
- fazendo o que ?
- cozinhando
- cozinhando o que ?
- comida
- tava boa ?
- claro, fui eu que fiz ?
- quem comeu ?
- todo mundo ...
- Humm, você está tão bonita.....

... No meio dessa conversa inexpressiva chegamos à FECIN e Marcelo emendou: 

- Bem, chegamos.
- Chegamos aonde, cadê a festa, e as barraquinhas de cerveja ? - as jovens replicaram..
- A festa será aqui dentro do carroE bem prático, cartesiano, disse - Du vai pra trás e fica com essa (a mais feia...) e você (apontando para a menos feia..) vem aqui pra frente. Precisamos falar sobre "comida". 

Protestei, a minha indicada era a menos qualificada e não me agradava passar a noite ao seu lado mas não houve acordo (afinal meu amigo era o dono do carro) e num gesto rápido lançou o braço pra trás e puxou a mão da sua escolhida que pulou pro banco da frente. 
Foi tudo muito rápido, em poucos minutos, antes de iniciarmos qualquer ação, o que me recordo foi apenas o toc-toc no vidro dianteiro do motorista. 
Era a polícia que na sua ronda noturna abordou o primeiro carro da fila e que infelizmente era o nosso.

- Boa noite. Documentos por favor.

A ordem vinda da autoridade do bairro foi um belo susto e as meninas reagiram de uma forma que nos assustou.

Não houve retorno. e o que parecia ser o chefe ordenou novamente agora sem o "por favor" e já alterando a voz.

- DOCUMENTOS. 

As domésticas que diariamente pregavam os ouvidos nas sangrentas notícias do Bandeira 2 da Rádio Jornal do Comércio, imaginando-se que seriam as manchetes do dia seguinte, em lágrimas e tremendo fizeram um pedido constrangedor aos policiais:  

- Num prende nós não, somos moças de família, somos virgens, vamos ser "dimitidas" se a patroa "suber".

Tiraram do bolso os documentos, papeis amarelados e amarrotados, e passaram para Marcelo que também apresentou o seu e o do carro, mas não passou a carteira de motorista que ainda não tinha tirado. 
A situação piorou quando procurei no bolso a minha identidade e não achei. Vasculhei novamente o bolso e depois a carteira e nada. O guarda exigiu que saíssemos do carro para uma "conversinha".

Nossa amigas aumentaram o choro...

Nada estava ao nosso favor e tínhamos motivos para isso: o descampado não era apropriado para um "menager a deux", o carro não era motel e o lugar era público, por isso podíamos ser presos por atentado ao pudor ; Marcelo estava sem a carteira de motorista e além disso  eu sem qualquer documento estava cometendo uma infração grave e ainda mais completamente careca o que, junto com meu amigo, poderia indicar sermos fugitivos de algum presídio.  

Do lado de fora  ouvíamos o choro das meninas no carro... 

Por que isso ? - um dos guardas perguntou apontando para as nossas cabeças..
Passamos no vestibular. - respondemos
Em que ?
Em engenharia - Marcelo respondeu e emendei respondendo também que esse era o meu curso, com medo que eles não soubesse o que era "Ciência da Computação".

No meio desse diálogo tenso Marcelo teve um "insight" extraordinário, sangue frio espantoso e que mudaria completamente o rumo da conversa (que tendia a nos levar à delegacia...).

- Nos ajude que nós os ajudaremos - falou como um adulto experiente, apesar de tremendo não se segurar nas pernas. A frase estava lá recolhida em sua mente, hibernando,  e do nada surgiu a senha que nos tiraria da delegacia.

O que parecia ser o líder o chamou para um cantinho perto de uma árvore. Por instinto (o mesmo da recuperação  da senha) Marcelo estirou a mão, trêmula, já com a propina (hoje em torno de uns 200 R$ - sua mesada da semana) bem escondida e dobrada entre os dedos e num gesto de bem vindo apertou a mão do policial. 
Seu gesto foi extraordinário, primeiro pela audácia e segundo por desembolsar em causa perdida toda sua mesada da semana e que contrariava seu perfil que seguia a linha "dinheiro na mão não é vendaval". 

Em questões de segundos os policiais nos deixaram em paz, dando tudo como "sem problemas" , encerrando com um boa noite e parabéns pelo sucesso no vestibular. 
Não houve clima para o restante da noite. As meninas urravam dentro do carro e exigiam um retorno imediato para casa (da patroa...). Foi o que fizemos deixando-as no mesmo local que as pegamos: na calçada da residência que Bolo Cozido compartilhava com seu cavalo. 

Nos recolhemos aos nosso quartos onde Marcelo teve uma noite medonha, em pesadelos buscava inutilmente uma solução para ter seu dinheiro de volta e uma bela explicação a Dr.tenório pelo triste fim da sua mesada. 

Não recebi nenhuma advertência ou correções moralistas quando alguns dias depois encontrei Dr.Tenório no Clube Português, em plena noite de carnaval, onde junto havíamos dividido algumas mesas para os quatros dias de folia. 
Com um sorriso do canto a outro da boca  me recebeu com um abraço caloroso e me fez a seguinte pergunta : "como tem passados os dias, está tudo escuro ?". 
Assim passou a me receber cada vez que o encontrava, sempre com a brincadeirinha enigmática e que possivelmente homenageava nossos queridos irmãs afrodescendente que tanto trabalharam para o crescimento da nossa pátria, desde os tempos de Brasil colonia até os dias de hoje.    




No Lanterna Verde (Nov/2015)






    
          

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Diário de viagem: San Francisco e os bondes.


  Estava aguardando na fila - nos EUA também tem fila !! -  a minha vez para subir no famoso bonde, chamado de "Cable Cars", utilizado na adorável cidade de   São Francisco-California.
  Os bondes são mais uma atração turística do que um sistema de transporte eficiente. Existem três linhas, a 59, 60 e 61, que cruzam áreas importantes da cidade, passando pelo centro financeiro da cidade até as imediações do pier na frente da baia. Todas as três linhas cruzam  as várias ladeiras da cidade (utilizadas inúmeras vezes como cenários de filmes de policial - suas famosas peseguições). O valor da passagem é de $ 5,00 (isso em 2009). Seu interior é basico, sem comodidades adicionais, bancos simples, localizados tando na área interna quanto na externa e espaços para acomodações em pé - muita gente fica nessa situação - em resumo, não existe nenhum diferencial para o público pois as viagens não são longas e o visual é tão bonito que dispensa qualquer conforto especial; em virtude das ladeiras e da posição da cidade, assentada no alto da região, sentado ou em pé dá para curtir as  paisagens belíssimas da baia de San Francisco, incluindo a ilha de Alcatraz (hospedagem definitiva do famoso gangster de Al Capone) e da deslumbrante ponte Golden Gate (cenário de muitos filmes de hoolywood)  


Ladeira cruzando o centro comercial




vista de uma das ladeiras com as linhas duplas do bonde 


Baia de San Francisco com a iIlha de Alcatraz ao fundo



  Os bondes começaram a circular em 1892, passando todo esse tempo por várias reformas visando implementar uma maior segurança para os seus usuários. Em 1982 o sistema foi fechado e teve toda a sua estrutura de engenharia reconstruída com o objetivo de atender as especificações de segurança. Em 1984 foi reaberto ao público e após isso, de tempo em tempo, melhorias foram feitas no sentido de implementar mais linhas e novos carros (todos mantendo a estrutura original do século 19).

Estrutura interna de um bonde





Ponto de troca de linha


Momento da troca de sentido da linha




  Um grande charme nesse passeio é a permissão de ficar pendurado nos ferros verticais que ficam na escada usada para subir nos carros; como a velocidade é muito lenta, em torno de 30 Km, não existe grandes problemas nesse sentido. Basta se segurar, apoiar bem os pés e curtir o vento (esse pode ser bem frio nas famosas viradas do clima da cidade, que ocorrem bruscamente durante determinadas épocas do verão - cuidado : surgiu neblina na ponte Golden Gate - mesmo com o sol brilhando - vem frio de lascar")            
A neblina tinha chegado a bastante tempo na Golden Gate, ou seja, o frio já circulava pela cidade - apesar do sol e o ceu aberto sem nuvens. Turista desatento não me previni, estando de bermuda e camisa de manga curta, sem qualquer casaco. Mesmo assim encarei uma pequena fila e aguardei o bonde, o qual chegou por volta das 17:30hs.
Observei que existiam dois funcionários responsáveis pela  gestão do carro, reversando nas atividades de maquinista, cobrador, organizador de lugares, trocador de linhas, etc, etc. Um negro enorme, estilo NBA, mal parou o bonde e já começou a berrar, "lets go, lets go, lets go", e a galera foi entrando rapidamente. Percebi que em poucos minutos não tinha mais vaga nos bancos, tanto na parte de dentro quanto na parte de fora (laterais abertas), bem como na área liberada para ficar em pé. Pensei, "tô lascado - vou continuar na fila esperando o próximo...". 
Observei que alguns, acredito que os nativos da cidade, se dirigiam ao bonde e prontamente se penduravam no degrau de subida e se apoiavam no cabo de ferro vertical fixo na base de entrada do veiculo. Então saquei, a "vaga" era "pendurado", era isso, tinha vaga sim, mas pendurado estilo "planeta dos macacos";  rapidamente me acomodei num dos ferros que estava sobrando ; outros turistas que estavam na fila também correram e pegarem seus lugares e em segundos o carro estava abarrotados de símios pendurados nos seus galhos. O bonde partiu, todo se rangendo, em direção à área financeira da cidade, bem próximo ao chinatown, onde me hospedava.
Durante o trajeto observei que o cobrador ia de banco em banco, de pessoa-em-pessoa, para receber a passagem. Fiquei esperando a  minha vez de pagar.




No centro o condutor dirigindo o carro (área externa)



Vista da galera pendurada


  A viagem realmente foi muito interessante,  a vista belíssima, o único problema era o vento frio que impiedoso, cortava todas as áreas ocupadas do bonde, principalmente nos locais onde os macacos balançavam-se: ali sim, o frio era intenso. Os nativos estavam tranquilos, rostos límpidos, brancos, sem a mínima expressão de desconforto, porém o nordestino - Ah, esse nordestino ! - sofria com o vento do pacífico ; rosto vermelho, orelhas geladas, o  vento frio de "lascar o cano" entrando por todos os poros.
 Ainda esperava a vez de pagar, estava preocupado como pegar no bolso meus $5 dólares já que a situação de "pendurado" não permitia. Deixei para lá e esperei o fim do trajeto para fechar a conta. 
  No ponto final o NBA começou com seus gritos, agora com um sonoro: "get out, get ou, get out, please" . Como estava exatamente na saída fui literalmente empurrado pela turba e quando me dei conta estava em pé na rua e ao mesmo tempo mais um monte de gente começava a subir, seguindo as instruções do americano que não tinha  a mínima intensão de perder tempo - "time is money". Quando me dei conta que o maquinista ia continuar seu trajeto me mexi para sinalizar que faltava pagar a a viagem. Ja era tarde !!,  o bonde partiu e o cobrador ficou sem ver meus dólares. Os americanos que tanto cobram, respiram dinheiro, deixaram de receber $5 de um pernambucano desatento ou, alguns poderiam sugerir, esperto .....
No outro dia, peguei novamente o bonde, no sentido contrário, indo para o pier, e aí paguei como um bom turista, o valor devido.



(Setembro/2010)










    

    


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Histórias do Pina - A Lenda do Loch Ness pinense.


  

Precisávamos documentar o início de tudo, de onde veio, o porquê, o Big Bang de toda uma história que até hoje nos fascina. Nada foi ao acaso, estava tudo preparado, escrito nas estrelas, adormecido na mente criativa de um amigo. Foi necessário um estímulo (a cerveja) pra surgir  a lenda tropical do original escocês: o monstro do Lago Ness (Loch Ness).
Sua lenda recifense nasceu bem ali, nos confins do Pina, num bar, o Telhado Azul, em 1978, e foi o nosso amigo Ajax o criador da criatura, o pai do Frankstein. 

Cabe a nós aqui e agora apenas documentar o que já sabíamos ....             



Foto enviada por Ajax

 
A torre do Castelo de Urquhart, com o Lago Ness ao fundo.

  
  A localização do bar era excepcional:  ficava na avenida, já no Pina, e tinha seu público fidelizado, pouco, mas bem selecionado. Foi descoberto por mim ou pelo Gordo Araken, ou por ambos. São tantos anos, não lembro bem. 

Costumávamos ir lá nos sábados à tarde. Não tinha placa, aviso, ou qualquer propaganda que dissesse que ali existia o Edis Bar. . Seu proprietário, o polivalente Edis, fazia de tudo, recebia os  clientes, oferecia o cardápio, trazia os pedidos, e ainda arrumava tempo pra bater um papo, contar piadas, etc. Era muito educado e simpático, sempre nos recebia com muita alegria. Nosso pedido nunca era especial, não existia dinheiro pra luxo, por isso invariavelmente passávamos o tempo no pratinho de batatas fritas e filezinho ao molho Inglês. O bate-papo era muito divertido O gordo a contar suas mentiras, eu fingindo acreditar e a usufruir das benesses do amigo que pagava integralmente a conta.

Alguns meses depois foi repassado o ponto e mudou-se o nome pra Telhado Azul. Nesse tempo o gordo tinha desaparecido inexplicavelmente mas o grupo de amigos tinha aumentado. Agora eu Carlinhos, Alexandre, Aníbal e algumas vezes Ajax eram os novos bebedores. íamos lá depois do futebol na praia e a noite quando não existia programa melhor a fazer. Ultrapassávamos a madrugada nos papos mais desconexos do momento. 

Nessa noite Ajax estava lá. Pelo menos duas vezes por ano, enquanto namorava com Andréa, nosso amigo pegava o voo e passava suas férias da faculdade aqui, bem no Pina, na rua Ondina,  de corpo e alma, e de coração também.   

Alexandre empolgado contava piadas de papagaio, de português, de negros, de mulheres e seus maridos traídos, de gagos, etc. Varria toda a trilogia do Pasquim, os anedotários mais baixos das esquinas e sarjetas de Garanhuns, dos becos do Pina, e do mundo em geral.      
Com muita risada na mesa era assim q a noite ia passando. 

O bar era muito simples, tinha apenas uma área na frente (que provavelmente deveria ter sido um jardim) de cimento batido, onde se servia os clientes. A parte interna, uma pequena casa com uma porta e duas janelas, uma de cada lado, tinha poucas mesas pra quem quisesse se recolher da brisa da mar que soprava forte à noite dependendo do mês, ou da chuva de julho. Dessas mesas víamos a cozinha e o "staff" que ali se reunia pra nos servir.

Só bebíamos cerveja. Raramento tomávamos vodka, rum. ou Whisly.  Esses só consumíamos nas boates e ,mesmo assim os piores, os mais baratos, e por motivos óbvios.         
De repente Ajax pediu atenção e disse que tinha uma piada pra contar. Foi uma surpresa na mesa, jamais imaginaríamos que o colega vindo do outro lado do mundo, dos cartesianos, dos exatos, criado na disciplina, tão longe do barulhento e criativo mundo dos latinos, herdeiros da desordem e do calor brutal, teria algo engraçado pra dizer. 

Ajax tinha se transformado (vide foto  seguir), possuía um semblante risonho, beirando o cínico. A bebida fazia sua transformação, liberava sua alma, abria sua mente, e o estudante de engenharia transformava-se num autentico nordestino recifense pernambucano contador de anedotas.    


                           Ajax flagrado no momento que preparava-se para contar a famosa anedota.




 Nosso amigo começou o relato que ficaria pra história, marcaria uma geração, e criaria um mito. :

"Um belo dia um pai pediu ao seu filho gaguinho  que fosse na esquina comprar um jornal. O inocente menino saiu todo animado com dinheiro na mão,  em direção a banca de revista. Ao chegar na banca tomou coragem, rezou, suspirou, se esforçou como nunca na vida e disse:

- bo bo bom di di dia ! ê ê ê eu quequequero comcomprar um um jornananal.

A criatura inocente não imaginava a reação terrível do jornaleiro; ao invés de dar o jornal e receber os trocadinhos do menininho dobrou três jornais velhos, deixou parecido um rolo de passar pastel e lascou na cara do jovenzinho três bofetadas de papel, além de dar um chute no seu trazeiro. O bichinho saiu desembestado para casa chorando um choro de menino gago uauauauaua

Chegou em casa aos prantos, com o rosto inchado e com escoriações, e o pai revoltado com a atitude do jornaleiro mas querendo de verdade socializar o garoto insistiu: "volte lá meu filhinho e exija o jornal pois você está no seu direito. 

A criaturinha de Deus voltou ao jornaleiro. Ao chegar não teve nem tempo de gaguejar as últimas sílabas do seu objetivo, comprar o jornal,   e já foi levando mais algumas bofetadas de jornal enrolado, e o que é pior, o jornaleiro já tinha preparado um cabo de aço e após a última jornalada tascou umas lamboradas de cabo na costas do menininho, tal como um escravo no pelourinho, e finalmente mandou novamente um chute no traseiro do coitadinho; o berro que o menino deu foi terrível aiaiaiaiaiaiaiaiaiaia. 

saiu se  arrastando, aos prantos,  rua abaixo de volta a sua casa, deixando um rastro de sangue atrás de si..

Chegando em casa, estropiado, esfolado, marcado a ferro e fogo, um verdadeiro resto de gente, pois não conseguia nem ao menos dizer qualquer palavra.

O pai desesperado e temendo pela saúde do filho resolveu ir à banca tomar satisfações com o jornaleiro. Levou o filho no braço, visto que o bichinho de Deus não tinha mais forças de caminhar, e chegou a banca já berrando. 

- Seu POR%$#A por que você bateu no meu filhinhooooo, seu MERD¨%$$A de BOS%$#%$A  !!!!!!!????" e  o jornaleiro de pronto respondeu com muita dificuldade 

- POR POR POR QUE QUE QUE E E E ELE TA TA TA TAVA TITITITIRANRANRAN DODODO ONDADADADA CO CO CO MI MI MI GOGOGO......."

Foi uma comoção na mesa, risadagens pelos quatro cantos do bar. 

A anedota sadomasoquista inspirou sua criatividade e após isso, sem maiores explicações disse:: 

- Eu soube que vocês tem um colega de praia que tem um sobrinho horrível, as orelhas tipo Dumbo, é completamente vesgo e os braços são maiores que o normal, quase arrastando pelo chão. Seria "O Monstro do Loch Ness" !!!!?? , e largou uma risada medonha.  

Ele estava falando do sobrinho do nosso colega de praia Roberval ; sua irmã a linda e maravilhosa Sandra (exceção da família Adams), uma ovelha branca de uma família horrível, tinha gerado um filhinho bem feiinho exatamente com o DNA dos demais parentes.

A gritaria continuou, algazarra total que chamava atenção de todos, os poucos clientes viravam pra ver o que estava ocorrendo. 

A partir desse dia, como toda lenda, inclusive a própria do Loch original escocês, a nossa tomou forma e corpo, cresceu, foi distorcida, passada boca-a-boca tipo telefone-sem-fio, mês-a-mês, ano-a-ano, e ainda hoje desperta curiosidade em quem pela primeira vez houve os rumores de um bichinho nascido nos confins do Pina, num obscuro bar frequentado por desocupados estudantes. 

O autor da lenda ainda reafirma, após tanto tempo,  que não tem nada a ver com isso, mas as evidências são inúmeras, as testemunhas várias, e a foto que acima mostramos nos dar indícios concretos que a história não foi inventada, mas criada com muita criatividade por uma mente extremamente lúcida desviada apenas do seu norte por uns litros de cervejas.    

Em 1982 o monstrinho foi homenageado no nosso carnaval em Olinda: pintamos seu nome no carro que compramos e camisas foram criadas e distribuídas em sua homenagem.  

                                               A jovem de camisa azul e sua justa homenagem






  






terça-feira, 20 de novembro de 2012

Minhas queridas amigas de trabalho : A Bolsa de Estudo

  
   Alexicleide recebeu a feliz notícia de ter sido  selecionada, após um acirrada concorrência entre milhares de pessoas altamente capacitadas, para uma bolsa de estudo paga integralmente pela  sua empresa. Uma bolsa de Inglês ; bem, essa era a proposta inicial: Inglês. 
   Alex chegou em casa berrando : "ganhei uma bolsa de estudo", "ganhei uma bolsa de estudo". Sua empregada doméstica Nanivilma atenta a qualquer novidade parou de lavar os pratos e correu para sala gritando mais alto que sua patroa: "que bom Dona Alexcleidinha, que bom Dona Alexcleidinha que a senhora ganhou uma bolza de estudu para galrregar sua cosias". Alexcleide com sua costumeira paciência rebateu na hora: "deixa de doidice menina, não é bolsa de carregar coisas, a empresa vai pagar o meu curso de inglês, tudinho, tudinho, de grátis". Sua secretaria não entendeu o que bolsa e empresa tinha a ver com estudo e fez mais perguntas descabidas; dessa vez a premiada pela bolsa não teve mais paciência e a dispensou rapidamente de volta para o seu habitat natural, a cozinha. Nani voltou mais continuou com a orelha espichada, atenta a conversa na sala.
  Seus dois filhos, sem muito entender, mas participando da agitação familiar, também  adentraram na sala felizes, parabenizando-a e gritando, "parabéns mamãe, parabéns mamãe, graças a Deus que a senhora conseguiu uma bolsa para carregar livros de Inglês". A mãe corrigiu, docemente : "não é bolsa para carregar livros de inglês meus queridos, é um curso de inglês grátis que eu ganhei" , os meninos gritaram "que bom que agora a senhora vai apreender a falar a língua do Mickey, Pato Donald, Pluto, Tio Patinhas...." . As crianças choravam de emoção imaginando já na Disneylândia e nos braços dos personagens Disney. Enfim, foi uma revolução doméstica.
   Alexcleide preparou-se para o primeiro dia de aula: comprou roupas novas numa loja ao lado  de um famoso mercado do centro da cidade, espichou o cabelo num cabeleireiro também ao lado desse mercado, fez depilação num local obscuro, também nas redondezas, indicado pela sua amiga de trabalho Camélia, e para completar comprou um óculos Ray-Ban num shopping center recem inaugurado na zona sul  da cidade; Enfim, fez uma grande mudança no seu layout, providência mais que necessária visto que  o curso de Inglês, para o qual havia sido selecionada, chamado DRAZIW, é ou era (ou quem sabe jamais foi..), um dos mais reconhecidos da cidade, pelo menos da região central da cidade;  executivos de multinacionais, diretores e gerentes de grandes empresas,  eram seus clientes, e os vários anúncios nas rádios e jornais já alardeavam a eficácia do dito curso.
 Chegou o primeiro dia de aula  Alexcleidinha apareceu deslumbrante no curso, a bordo do seu carro preto e importado (chinês), comprado recentemente e zerinho em folha. Entrou na sala de recepção e ficou muito encantada: a atendente era linda e loira,  parecia inteligente também. Havia várias pessoas fazendo suas inscrições:  homens de paletó,  mulheres elegantes e chamosas, provavelmente executivos e pessoas importantes nos seus ramos de negócios, tudo muito organizado e profissional.  Alexcleide imaginou que todas essas pessoas eram realmente futuros alunos e não uma jogada de marketing feita por empresas de fundo de quintal para chamar a atenção dos alunos novatos, inocentes e incautos. O ambiente a deixou plenamente confiante no sucesso da sua empreitada.   
  Chegou na sala de aula, ansiosa e um pouco nervosa, afinal de contas era um curso de altíssimo nível (ficava no quinto andar de um prédio  elegante ao lado do já falado mercado) com professores capacitados nas melhores escolas de inglês do país (pelo menos isso foi o que ela leu num folder achado na calçado do prédio onde trabalha).
  Ao entrar na sala ficou chocada de cara, pois tinhas apenas três alunos e nenhuma daquelas pessoas charmosas e de paletó que apareceram na sala de recepção. Resolveu investir rapidamente na língua de Willian Shakespeare, procurando já de cara chamar atenção, deixando sua marca, mostrando todo o seu potencial; lascou um "good morning" bem alto e sonoro; o professor, respondeu, "Bom dia" ; ela repetiu "Good morning" e ele respondeu novamente  "bom dia", e o fato se repetiu durante 15 segundos. Não tendo sucesso na apresentação ela desistiou e  achou muito estranho a resposta dele na língua de Camões, ficou quietinha e sentou no seu cantinho da sala aguardando o início do curso. O professor, um senhor de mais ou menos 60 anos, com uma aparência  daqueles portugueses  bronzeados do Mediterrâneo,  usou a língua portuguesa durante todos os 10 minutos da primeira parte da aula (isso também era muito esquisito pois no contrato era dito que o curso tinha 1 hora e meia de aula), descrevendo muito bem concordância nominal e verbal, crases, colocação pronominal, etc,  etc ; enfim, nada de Inglês. 
Na segunda parte da aula, nos 10 minutos restantes, a situação piorou ; o teacher pegou o giz e colocou no quadro negro (não existia caneta e quadro branco na sala por recomendação do professor que alegava que esses recursos eram invenções capitalistas) a seguinte sequência de palavras: "one, dois, three, quatro, five, seis, seven, oito, nine e finalmente dez". Alex quase cai de costa, não entendeu nada e perguntou: "Sorryyyyyy professor, porque alguns números estão em inglês e outros em português ?. O teacher prontamente devolveu a pergunta com outra: "você sabia que nosso cérebro guarda no lado esquerdo as informações da sua língua corrente e no direito informações da língua que está aprendendo ? Eu quero apenas misturar os dois lados para que no final da aula os lados saibam as duas línguas" Alex, deu um pequeno suspiro e a partir daí teve dúvidas da sanidade do professor e se realmente conseguiria aprender o idioma dos personagens Disney.    
  Não tendo mais opções aproveitou sua ida ao banheiro e foi  à recepção perguntar se havia trocado de sala, se aquilo era realmente uma aula de inglês ou qualquer coisa semelhante. A atendente falou que não, que aquela era  realmente  uma aula de Inglês, porém utilizando um método revolucionário  onde o aluno era obrigado primeiro a aprender português, depois inverter os lados do cérebro com as duas línguas e finalmente depois de 2 meses falar fluentemente o inglês. Nossa amiga, muito decepcionada, com essa explicação tresloucada, e já temendo pela sua "bolza de estudu", resolveu voltar para a sala e acompanhar sua aula de português/inglês. Ao termino de sofridos 20 minutos  de aula,  com muito respeito,  deu um "bom dia" se despedindo do professor, este respondeu com um "good morning", ela repetiu "bom dia", ele "good morning"; Depois de muita insistência sem sucesso ela desistiu e retirou-se da sala , dando um último bom dia já aos berros, perdendo toda a classe, "good diaaaaaaaaaaaaaaaaaaa POR$%AAAAAA" e saiu correndo já imaginando como seria o próximo dia. 
  Não teve próximo dia: ao chegar em casa a primeira pessoa que ela encontrou foi Naninaval, a espera da patroa, aguardando novidades a respeito do curso, e já com uma pergunta a ser feita, uma pergunta iluminada e infeliz: "Diga lá dona Alexcleidinha já dar para falar com o Pato Donald ?". cleidinha sem a mínima paciência, completamente transtornada com o método revolucionário do DRAZIW, berrou: "chispaaaa daqui mulher senão  te mando falar  não com o Pato Donald mas sim com o PLUTO OU MELHOR A PLUTA QUE TE P*&¨%".
  Soube-se depois, pela rádio corredor da empresa onde trabalhava, que a jovem pretendente a falar inglês não estava presente no segundo dia de curso nem tampouco nos demais;  foi vista um tempo depois rondando sorrateiramente um famoso "sebo" da cidade, vendendo seu precioso livro de Inglês e comprando uma cartilha básica de português, segundo dizem para presentear sua secretaria doméstica e fazê-la aprender a falar "bolsa de estudo".............