terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A invasão Bárbara





Assim como a música de Chico Buarque "Flor da Idade" (Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo...... que amava toda a quadrilha) o convite foi feito por Yolanda  para Carlinhos que imediatamente me repassou a novidade, então falei para Marta (que convidou seu namorado) e Aline (que repassou para seu já namorado Sérgio), para Júlio (que convidou sua namorada Zilda) e Ivan (que convidou seu Opala branco...) e finalmente para Alexandre (que convidou Anibal...), fechando assim toda a quadrilha.  

Em Candeias, em meados dos anos 70, a grande maioria das residências eram destinadas às férias de verão ou ao descanso de fim-de-semana ; não existiam pistas paralelas à principal (Bernardo Vieira de Melo) e sim um emaranhado de ruelas de terra batida, ladeada por árvores (coqueiros, palmeiras, mangueiras, jaqueiras, jambeiros, cajueiros, etc....) e muito mato (plantas rasteiras inúteis, urtigas, chique-chique, carrapateiras, carrapichos, etc). 
Na orla não existiam prédios, apenas algumas casas, poucos bares e barracas vendendo cervejas e peixes, as jangadas e pequenos barcos eram muito frequentes e as pessoas passeavam despreocupadamente pela areia. 
Quem tivesse dentro da água, como na foto abaixo, enxergaria apenas um enorme paredão de coqueiros no seu horizonte cobrindo toda a praia, que ia da curva de Piedade até Barra de Jangada.

Foi nesse local perdido que a amiga de Yolanda iria comemorar seus 15 anos.  



Praia de Candeias: Foto recuperada a partir de um filme super-8 registrado
por nosso tio Flávio no início dos anos 70.

Orla de Candeias em 1970 (aproximadamente 9 anos antes dos eventos aqui citado)


O percurso partindo do Pina era longo e após atravessar a avenida Conselheiro Aguiar e toda a Avenida Boa Viagem, da praça do terminal até o fim da curva de Piedade, surgia a avenida  Bernardo Vieira de Melo completamente despovoada e mal iluminada.  As ruelas paralelas e transversais, além de serem todas descalçadas e em época de chuva, intransitáveis, em alguns casos não existiam placas indicativas de nomes ou quando apareciam estavam escondidas pela imensidão vegetal que se espalhava pela região.

Candeias era uma área desconhecida por grande parte dos jovens no final da década de 70, mas nosso grupo já vinha frequentando a região quando descobrimos a boate Malibu e o Bar Candelária. Por isso não tivemos dificuldade em chegar lá.

Linda casa plantada em pleno paraíso tropical: muros altos escondiam uma imponente residência de verão, de construção plana, erguida num enorme terreno retangular, tendo ao seu lado uma piscina enorme (para os nossos padrões...) talvez com pelo menos 25 m de comprimento.
O terreno retangular era dividido ao meio pela casa e pela maravilhosa piscina que nos fascinava desde o dia que Carlinhos nos informou da sua existência. Completava a paisagem um imenso mundo verde distribuídos entre coqueiros e palmeiras, plantas diversas e uma grama havaiana belíssima, dando um toque de muito requinte e glamour ao ambiente. 

Não tínhamos convites, era tudo informal, tipo boca-a-boca, e o mais prudente era chegar bem cedo e avaliar a movimentação no portão, onde acreditávamos ter um porteiro ou segurança no controle da entrada



Nossa casa do Pina.
  
No dia acertado partimos todos junto lá de casa, no Pina. Chegamos sem problemas ao destino seguindo apena o mapa que Carlinhos forneceu. 
Entrando na rua vislumbramos imediatamente uma construção enorme cercada por um muro muito alto de granito, e muto verde, galhos de árvores frondosas e plantas tropicais elevavam-se por cima da construção. Fomos estacionando devagarinho na região de terra batida que circundava a casa.  

Ainda estávamos nos organizando, aguardando os retardatários, quando vimos o amigo Gordo Araken chegar na sua VW Kombi novinha, recém polida, e estacionar a alguns metros de nós.  
O jovem não nos viu, desceu super arrumado, banhado em lavanda, chique. calça e camisa de linho, sapato social preto brilhando, um verdadeiro dândi do subúrbio. Aproximou-se com um ar de quem já conhecia o ambiente, acenou com a cabeça para os dois seguranças que estavam no portão e sem qualquer cerimônia ultrapassou o limite que separava os pobres dos ricos. 

Seguimos o mesmo caminho do gordo, passamos rapidamente pelos seguranças e o que vimos em seguida foi um colírio pros nossos olhos, remédio pra nossas dores, um oásis no meios dos cajueiros e coqueiros de Candeias, uma maravilha que jamais tinha sido vista por nenhum de nós: uma piscina enorme e reluzente, gente bonita e chique, bebida e comida sem limites, e tudo isso sob o controle da linda lua de verão que pairava acima de nós. 
Em volta da piscina grupos de convidados conversavam animadamente e os vários garçons circulavam com tira-gostos e bebidas, ouvíamos música ambiente mas não sabíamos de onde.

Nos dispersamos por todos os lados, e assim a "invasão bárbara" estava estabelecida, 

Em volta da piscina existia uma área construída com lajotas de granito fino e em redor uma grande área de grama havaiana que se estendia até o limite que separava a casa principal. Coqueiros e palmeiras espalhados estrategicamente por todo terreno davam o toque tropical ao ambiente. 
Numa das laterais da piscina observamos um animado grupo  acompanhado por uma batucada e foi exatamente ali que nós, os bárbaros, fomos aos pouquinhos nos reunindo procurando se integrar ao carnaval fora de época.

No dia anterior havíamos combinados que levaríamos roupas de banho (calções, biquines, etc) pois conforme Carlinhos nos comentou existia a possibilidade de um banho de piscina no final da festa. Assim foi feito e todos foram com seus trajes das manhãs de domingo; alguns colocaram por baixo das roupas e outros deixaram dentro do carro. 

Num canto onde estava uma batucada observamos que alguns amigos de Yolanda e primos (Roger e Petrônio) conversavam animadamente. Nesse grupo destacava-se um amigo de Roger que todos chamavam de "cavalo". O cara era dobrado, com os músculos saltando de todos os poros, e muito alto, uma verdadeira muralha. Esse sujeito comandava a batucada, tocava vários instrumentos e tinha o monopólio das bebidas já que observamos que o garçons faziam paradas frequentes no local.
Percebemos então que esse seria nossa pista de pouso, e aos pouquinhos fomos aterrissando, conversando com um, bebendo com outro, criando raízes, e quando menos se esperou a maior parte do nosso grupo já fazia parte da turma comandada pelo "Cavalo" e foi aí que percebemos que todos ali eram os extra-convidados, os que foram sem nunca ter sido, oriundos das invasões bárbaras (aquela mesma que provocou o início do fim do Império Romano).   

Após a valsa da meia noite o evento continuou  com muita comida, samba, cerveja e whiskey ...

Enquanto o bárbaro "Cavalo" se divertia, tocava o agogô e sambava animadamente na beira da piscina uma criança passou correndo, como todas fazem em qualquer festa, e esbarrou levemente no paredão humano. O encontrão de uma formiga com um elefante jamais resultaria no que presenciamos. Com o esbarrão do garoto o elefante se projetou num salto monumental para a piscina e em questões de segundos uma avalanche de bárbaros seguiam o Cavalo e projetavam-se também em direção do delicioso azul-piscina. 
O azul perdeu a cor, a piscina virou um mar coalhados de peixes-agulhas saltitando em ovação a Netuno.
Procurei o calção no carro e não achei. Corri de volta e chamei Yolanda que me arrastou para dentro da mansão e iniciou uma procura desesperada e bem sucedida por um calção em desuso. Foi achado no quarto do irmão da aniversariante e ali mesmo fiz a troca. 

Ao chegar à beira da piscina vi cenas que até hoje se repetem pela minha memória:

Alexandre aos gritos - isso é um sonho, isso é um sonho , tudo de graça para mim, bebida, comida e piscina,  tô melhor de vida do que na rua Ondina - espanava água para todos os lados, dando braçadas e pernadas dessincronizadas e aleatórias, indo e voltando de uma lateral a outra da piscina completamente possuído pelo espirito de penetra; seus berros se misturavam com os dos demais que também já estavam na água;
Marta da mesma forma que Alexandre retribuía a algazarra  urrando. Quanto a Carlinhos ninguém ouvia sua voz. Como em toda festa Carlinhos já estava completamente embriagado, jogado num dos cantos da piscina, boca escancarada engolindo cloro aos litros, olhos vermelhos injetados pelo álcool, sem a mínima condição de manter qualquer diálogo com quem quer que fosse. 

Olhei ao redor procurando Ivan e não achei.

Ah, Ivan ! esse não poderia estar na água, nunca foi visto dentro do mar ou piscina, não que fosse sujo, era até limpinho, mas o problema era o seu bem cuidado cabelo que em forma de pirâmide, armado, intocável, não permitia associações com a água. Ele estava no salão de festa, provavelmente de pé, de braços cruzados, como sempre fez, rastreando o ambiente em busca de alguma jovem desavisada que pudesse aceitar seu convite pra conhecer seu Opala branco.

Assim como Ivan o amigo Araken encontrava-se no salão mas não na beira e sim no meio, dançando, e a essa altura da festa sozinho, meio agachado, mão esquerda no quadril, braço direito levantado, lutando contra as coreografias de John Travola e ao som dos Bee Gees. 

No meio da algazarra observamos uma pessoa emergindo aos berros do fundo da piscina segurando alguma coisa brilhante na mão. Nos aproximamos e vimos que era Sérgio que gritava.

- achei ,achei, achei, um trancelim de ouroooo, quem perdeuuuu  ????!!!.

Aline ao seu lado apenas disse:

- meu Deus do céu, esse é o seu tracelim, tá ficando doido é ???!!!!  

Em segunda após ter sido esclarecido o equívoco, colocou de volta no pescoço e tornou a mergulhar e continuou o seu banho dourado..

Coisa de bêbados mesmo, brincadeirinha de crianças, dois jovens de 20 anos de idade fazendo uma aposta pra ver quem seria o mais rápido nadando até o outro lado da piscina. Inimaginável, mas aconteceu ! 
Partimos jogando água para todos os lados, desviando da turma que se aglomerava, ricocheteando nas laterais, engolindo água, suspirando, coração na boca. Na chegada bati violentamente a cabeça do outro lado  da piscina. Sem óculos e uma miopia acentuada, impediram-me de saber onde encerrava-se a aposta. Tonto, inerte, apenas ouvi os vivas de Alexandre proclamando-se vencedor de algo que nunca existiu.

O sinal de alerta indicando que o espetáculo estava encerrado foi dado quando o dono da festa foi visto de short no terraço da casa e os garçons deixaram de circular em torno da piscina e as luzes da casa principal foram se apagando gradativamente. 
Com dificuldade arrastamos Carlinhos que não tinha a mínima condição de sair sozinho de dentro da piscina; Alexandre e Aníbal saíram rapidamente depois que ouviram um boato que o Gordo Araken encerraria a noite no Edis Bar.
Partimos em busca das benesses do galanteador das discotecas e terminamos a noite olhando para uma imensa piscina de água salgada criada pela natureza, a praia do Pina, tendo como tira-gosto, não caviares e lagostas, mas batata-fritas e filezinhos de coelho, acompanhados de Brahma.
Foram apenas boatos, o Gordo Araken não financiou qualquer rodada de cerveja (as meninas não estavam.....) e a festa acabou de verdade enquanto o sol já raiava no horizonte da praia .... 


      











                 
   



sexta-feira, 20 de junho de 2014

Churrasco de Coelho



- E ai pessoal, vamos fazer um churrasco de coelho ?
- Churrasco de que mesmo, coelho ? onde já se viu isso, tá maluco !!?
- Sim, churrasco de coelho, por que, nunca viu um coelho na vida ?
- Sim claro, coelho sim, mas churrasco não.
- E aí, vamos nessa ?
- Estranho isso...... de coelho !!!???

Foi mais ou menos esse o papo que ocorreu no final dos anos 70, no Pina: Carlinhos foi iluminado por uma ideia extremamente esquisita mas, segundo ele, brilhante. O papo continuou:

- Sim, coelho, coelho, carne branquinha, bacana, vamos nessa ?
- Tá doido cara, isso deve ser caro demais ...

Alexandre replicou justificando sua situação de completa falência (seu crédito educativo, que supostamente usava para custear seus estudos, não tinha sido creditado ainda..)

- Que caro que nada meu amigo, vou conseguir de graça !
- De graça, duvido, diz lá, que trambique é esse .. ?
- Tenho amigos influentes ..
- Num  vai dizer que teu amigo é mais importante que o meu do aeroclube ..??!!
- Aquele lá nunca comeu churrasco na vida, imagine de coelho....!!! hahahaha
- Sim, diz donde é esse coelho...
- Da granja de Jacoca ..
- Que é isso, Jacoca ? parece coisa de índio ..
- É a granja dos meus parentes, fica lá pelas bandas de Moreno ..
- Quantos coelhos você vai trazer ?
- Muitos, muitos, vai dar para fazer um monte de tira-gostos...vai rolar uma farra boa...
- O que significa muitos, uns 20 coelhos pelo menos ?
- Por aí, por aí, mas deixa eu fazer o contato com o porteiro da granja.
- Porteiro, você não falou que eram teus parentes ??!!!
- Ah, desculpe, sim, parentes...

Em pouco tempo o papo acima tinha se oficializado e a história correu os quatro cantos da cidade; o vento com a novidade soprou na rua ondina no Pina, passou num apartamento no final da avenida Conselheiro Aguiar,  retornou para o norte até a Tamarineira e terminou numa leve brisa na avenida Boa Viagem 670, onde morávamos. Foi aí que se desenrolou o acerto final do encontro: qual seria a bebida que acompanharia os coelhos e onde  seria o local do evento.

Na nossa residência existiam, naquele final de década, duas garagens: uma construída junto com a casa, em 1936, e a outra bem mais nova e feita para abrigar nosso carro nas duas vezes que estivemos morando por lá, entre 1967-71 e 1977-81. Decidimos fazer o evento na garagem "mais nova" e acertamos que poderíamos dividir os custos e comprar cervejas para acompanhar os coelhos; "Brahma ou a Antactica", não importava, o que viesse vinha bem..




A famosa 670 na época da sua construção.


Precisaríamos resolver um problema crítico: onde armazenar e gelar as cervejas. Não tínhamos qualquer frigobar ou coisa semelhante, e comprar isopor demandaria mais um custo o que tornaria inviável o projeto. Enfim, era necessário urgente uma excelente infra-estrutura. 
Aline então nos apresentou uma ideia iluminada: "Sérgio tem uma serpentina que gela qualquer cerveja em questão de minutos".
- Serpentina ?! que troço é esse, é uma geladeira ambulante ? - falei....
- Claro que não, vocês são pobres mesmooooo ; é um balde grande de aço, onde dentro existem cabos também de aço; o gelo é colocado dentro do balde misturado entre esses cabos, a garrafa de cerveja é acoplada de cabeça para baixo num bocal que fica fora do balde e o líquido automaticamente navega nesses cabos gelados e sai numa torneirinha tipo barril de chopp; a cerveja fica supergelada...



Serpentina

- Mas isso é caro ? - Alexandre sempre preocupado com o custo... 
- Para quem está acostumado, segundo dizem por ai,  com Praia Lanche, Telhado Azul, Feijoada do Leopoldo, O Veleiro, Peixada do Lula, Maxime e Bar do Erasmo, é caro mesmo, mas para vocês será de graça já que iremos participar do evento (se autoconvidando..).   
- Opa, fechado, topamos !!! - Alexandre se adiantou, muito satisfeito, e todos concordaram...  
     




Bar do Erasmo - na esquina da rua Ondina com a Capitão Rebelinho, no Pina. 


No dia acertado todos os convidados chegaram no horário pré-estabelecido (qualquer hora da manhã após o café e antes do almoço...), ansiosos pelos coelhos prometidos e pela última maravilha do século : uma serpentina que gela cerveja em minutos.

Ah, os ditos "convidados" !!!, esses jamais poderiam ser chamados dessa forma pois estavam presentes na velha 670 todo domingo, fazendo chuva ou sol, tendo Coelho ou não, eram eles: Ivan e seu Opala branco, Sérgio e seu fusca, Aníbal e seu corcel branco, Carlinhos também montado no seu corcel e finalmente Alexandre no seu meio tradicional de transporte, a pé (seu adorado fusca branco nunca funcionou desde o dia que constatou-se plantas crescendo no seu interior ...).

Especialmente nesse dia  achamos estranho Carlinhos não ter chegado cedo, como era seu costume todos os domingos...

O sol já brilhava intensamente, a brisa aliviava o calor, a praia desse vez estava em segundo plano, os holofotes estavam ligados e apontados apenas para os coelhos.
Por volta das 11.00hs chegou Carol, como convidada especial de Marta (não sabíamos desse convite mas como a previsão do nosso amigo seriam "muitos, muitos coelhos", relaxamos....) acompanhada de uma prima para lá de esquisita fantasiada de hippie.

O acampamento estava armado na garagem: arrumamos bancos, esteiras, tocos de coqueiros, facas , garfos, colheres, e mais alguns utensílios básicos, enfim  a festa tomava forma...
Primeiro contratempo: Sérgio armou a serpentina, preparou o gelo, pegou a primeira cerveja e fez o primeiro teste, que deu "nagativo" , cadê a cerveja sair gelada.. ?!
Apreensão geral na garagem. Alexandre tomou a frente e inspecionou o aparelho (atitude  que não ajudava em nada pois essa não era sua especialidade...) e constatou o óbvio, a maquininha não gelava.

Sérgio continuou averiguando o aparelhinho.....

Enquanto isso mais uma ameaça soprava no interior da garagem: 

- Cadê Carlinhos, tá caçando os coelhos ? - Marta gritou.
- Foi buscar na casa do porteiro da granja - outro soltou mais um gracinha ..
- hahahahahahaha , risadas nos quatro cantos da garagem

De repente, boas notícias:

- Opaaaaaa, agora vai, a cerveja gelouuuuuu - gritou Sérgio.
- Obaaaaaa, já era hora, faz favor, afinal pagamos caro por tudo isso !!! - Alexandre berrou de um lado se esquecendo que não tinha gasto um centavo na empreitada (apenas tinha dividido os gastos com a cerveja...).

A serpentina a todo vapor, respeitando suas atribuições técnicas, despejava a cerveja de copo em copo, minuto a minuto, supergelada. O calor insuportável da garagem (um quadrado, com três lados fechados e um aberto que era a passagem do carro - com cobertura de zinco e palhas de coqueiros) tornava o recinto uma estufa o que obrigava o aparelhinho a trabalhar no seu limite.

Conversa vai, conversa vem, e nada de Carlinhos. A manhã passava, o meio dia se aproximava, e o nosso amigo não aparecia.
De repente ouvimos um cantar de pneus e nos deparamos com um corcel beje entrando  desembestado pelo portão, chutando poeira para todo o lado; era Carlinhos....

A casa não tinha jardim, pelo menos nessa época da sua quase aposentadora, apenas terra batida e musgos, além de toiceiras, urtigas, papoulas, chique-chiques e uma grande quantidade de ervas  improdutivas que serviam de alimento às lagartixas. Toda essa fauna e flora era o  caminho que interligava o portão à garagem.

Após atravessar esse ecosssitema o carro foi estacionado por trás do local onde seria palco do churrasco.

- E ai galeraaaa, cheguei com o que tinha prometido, o coelho !! - berrou Carlinhos
- O coelho ???!! não seria os coelhos ?!!! - Alexandre gritou, sempre alerta em relação a comida ou bebida.
- Sim, é, corrigindo, "os coelhos" ..

Carlinhos desceu rapidamente e o observamos carregando um constrangedor saco de Bompreço meio preenchido com algo que não tínhamos ideia do que seria. Rapidamente entregou a encomenda para Alexandre e dirigiu-se para  a fila da serpentina que trabalhava a todo vapor ou melhor a todo gelo.

- Que POR$AAAA é essa ???!!!! gritou Alexandre ao abrir o saco
- Os Coelhos - gritou Carlinhos de dentro da garagem
- Que coelho é esse cara  isso parece umas codornas desnutridas - Alexandre nervoso replicou.
- Fica frio veio, dessa vez tive um contratempo na granja e meu fornecedor só arrumou os filhotes de coelhos, na próxima vem os pais dos pequeninos.
- Eu queeeero os coelhos, tô morrendo de fome.
- Que nada Alexaandre, você sempre foi  do lema de que "comida é vício e bebida é necessidade" e agora vem com esse drama , fica na tua, relaxa e aproveita enquanto ainda tem coelho no saco, hehehehehehe..

O papo descambou para berros e impropérios contra o fornecedor das lebres que jurava que na próxima vez garantiria uns coelhinhos maiores. A confusão estava armada e durou uns minutos, porém aos poucos os gritos se amenizaram com a chegada de batatinhas fritas, azeitonas e salsichas, dentre outros tira-gostos, graças a ação providencial de Marta e Aline que tinham   acabado de assaltar a despensa da casa.
O resultado das codornas no espeto foi extremamente constrangedor: após assadas se tornaram menores competindo em tamanho com os tira-gostos arrumados na última hora.

Entre uma cerveja e outra, papo ia, papo vinha, surgiram as aventuras do aeroclube, os encontros com a Família Adams e o namoro inexplicável (com direito a passeios em parquinhos no Pina..) de um dos nossos amigos com uma das parentas da dita família, as farras dos embalos de sábado à noite na boate Malibu e a mais famosa de todas as aventuras: "uma manhã com o papa".
o Tempo passava, as historias tomavam volume, mais detalhes eram acrescentados e o que eram apenas simples acontecimentos tornaram-se lendas.
No final da tarde quando não se esperava mais ninguém eis que surge o último convidado: um fusca bege cruza o portão e bem devagarinho - em marcha lenta , no ritmo do dono - aproximou-se do que restou do churrasco (apenas algumas cervejas e nada mais de tira-gosto).
Agora era Marcelo, perdido no espaço e no tempo, descia lentamente do carro, meio trôpego (como se já tivesse bebido durante toda a manhã...) e nos saudando com um boa tarde que não deixava dúvida: "esse cara bebeu durante todo o dia ..."

- Boa tarde amigos !! (voz embolada e sonolenta...)
- Chegou na hora companheiro, estávamos esperando você para começar a festa , hahahaha - Alexandre brincou...
- Cadê as cervejas, e os coelhos ??
- Cervejas só tem o restinho que tá dentro do balde, já as codornas que Carlinhos arrumou só tem as patinhas torradas - hehehehe - brincou Aníbal dando o ar de sua graça...
- Deixa de onda vocês, só vim porque me falaram que o negócio aqui era bom mesmo...atrasei um pouquinho porque estava com a namorada : ela faz Medicina na UFPE...
- Mentira Marcelo, tu nunca tivesse namorada desse nível, diz lá, tudo tava era com alguma doméstica da rua do Abaeté .. - replicou Carlinhos bom conhecedor da vida pregressa do nosso amigo.
- Sou outro homem agora, larguei meus amigos da região, faz tempo que não vejo o "gordo ´pinica", "bolo cru", "careca" e "Oda" , agora sou um quase Engenheiro Elétrico e preciso mudar de vida.
- Mudar de vida, rsrsrsrsrs !!! agora ele largou "pano branco" e agarrou-se com Gorete, a doméstica vizinha de Zé - lembrei desse detalhe.
- Se ele mudou de vida vamos leva-lo então para o Aeroclube, lá uma vida nova o aguarda, quem sabe ele não mantém "um relacionamento intenso" com a amiga da amiga da empregada doméstica da casa de Helena, assim como um dos nossos amigos o fez um tempinho atrás - hehehehehe - Alexandre relembrou mais um fato constrangedor das nossas histórias.

A brincadeirinha continuou tendo Marcelo como centro da conversa. No fim das cervejas, dos  "coelhos" e da tarde de domingo que já mostrava um sol cansado, decidimos que teríamos de continuar a farra noutro local; fomos então para a casa de tio Ciro jogar Vôlei.



A rua do vôlei (a rede ficava armada na posição das árvores) tendo o prédio de Tio Ciro ao lado 


Chegamos em piedade ao entardecer; a rede para o jogo já estava pendurada entre os dois postes laterais da rua, e a equipe adversária (minhas primas Cátia, Neide e Sandra e mais alguns amigos) devidamente preparada já nos aguardava batendo bola..
Percebi que seria uma partida sofrida pois o bando de estropiados, após uma manhã de cervejas e "coelhos", debaixo do forno que tinha sido a garagem, tinham exaurido os últimos vestígios de poder muscular. Nosso time a principio não contaria com Marcelo (na verdade isso não era nenhuma vantagem...) que extenuado não tinha conseguido descer do seu carro e jazia inerte com a cabeça no volante. Deixamos o amante latino das domésticas no seu sono restaurador e iniciamos o jogo.
As partidas, em setes reduzidos até 15 pontos, foram jogadas em sequência de 1 set, e assim permaneceu por um bom tempo e por mais incrível que pareça suportamos bem o ritmo desenvolvido pelos adversários.
A sequência de jogos foi encerrada prematuramente devido ao um fato inusitado: nosso amigo que estava desfalecido  dentro do carro despertou repentinamente e, não sabemos até hoje o motivo, ligou o carro, ativou seu pisca alerta, passou a 1ª marcha e veios se rastejando em direção a quadra parando apenas quando sinalizamos que ele estava invadindo nosso território. O fusca bege estacionou na linha divisória da quadra marcada a giz e para espanto de todos o motorista voltou ao sono profundo apoiado no seu travesseiro volante.
O jogo foi encerrado definitivamente logo após a inesperada interrupção. Acordamos Marcelo aos solavancos e por incrível que pareça despertou lúcido, falante e disposto, segundo suas palavras, a compor um novo time para a próxima partida.
Essa próxima partida jamais ocorreu. Despedimos de todos e voltamos ao Pina a procura de uma bar para encerrar o atribulado dia, jurando que não aceitaríamos qualquer tira-gosto que nos lembrasse coelhos, lebres, codornas e afins. O escolhido foi o bar "O Veleiro" em virtude do seu vasto cardápio de batatas-fritas....



Cartão Postal Recife O Veleiro .
O Veleiro Bar (Avenida Boa Viagem