sexta-feira, 22 de março de 2013

O carnaval de 1982 - O Dodge Dart: nas Virgens de Olinda.



No meio do caminho tivemos o primeiro contra-tempo. A máquina possante singrava os mares bravios lá pelas bandas do complexo Salgadinho e para um visualizador externo estava mais do que claro que o carro infligia todas as leis vigentes de trânsito: sem porta, vidros e malas, e o pior de tudo com gente pendurada no lado de fora (no teto do carro e mala), inclusive uma de menor, como era o caso da jovem carioca que seria tutelada por Carlinhos, conforme desejo de Dr. Fernando. Além disso a cerveja rolava solta dentro do barco, passando de mão-em-mão e de boca-em-boca.
Esse cenário de irregularidades, no século XXI,  seria digno do carro ser apreendido na hora, rebocado para o lixão e o motorista aloprado, responsável pelo bendito carro, perderia uma imensidão de pontinhos na sua carteira, mas em 1982 o papo era diferente; ainda existiam vestígios dos famosos "corsos" onde os motoristas saiam com seus carros enfeitados para brincar o carnaval de rua, por isso não existia tanto rigor na execução das infrações por parte do DETRAN. 
Pois bem, nesse caminho, um guarda cismou de parar o carro. Vimos o carro da polícia estacionado no acostamento e ao lado seu guardião estirando o braço ordenando que parássemos o Dodge no acostamento. Foi o que Carlinhos fez, arriando a âncora do navio e estacionando. O que o guarda viu já era justificativa para levar para o depósito o barco juntamente com seus marinheiros: Carlinhos, Izabel e Alexandre, no banco da frente ; no banco de trás, mala e teto mais uma cambada, eu, Marta, Petrônio, Paulinho, Andrea, o Gordo Pinica e a irmã, Ana Kátia e mais uma que até hoje não identificamos quem seria. 
A conversa do guarda com Carlinhos foi mais ou menos a seguinte: 

- Bom dia Jovens, os documentos por favor ?
- Pega os documentos aí Bebelllll ...
- Por que eu ? e eu sei lá onde tá esse negócio, primÔÔÔ ...!! Quer mais cerveja ???
- Deixa de brincadeira garota !!!!! , galera, cadê os documentos ??? ( o eco com a voz de Carlinhos repetiu-se dentro do carro por segundos.....)
- Serve meu tubinho de loló (brincadeirinha de Marta se referindo ao produto fabricado pelos seus amigos estudantes de Medicina..)
- O que foi que a senhorita falou ?!
- Nada não seu guarda, ela entendeu que o senhor tava pedindo água (falou Petrônio...)
- UMMMMM...vamos lá jovens  quero o documento do carro !!! . 
- Bora lá pessoal cadê o documento do carro ? (Carlinos já em sinal de desespero...)
- Por que você tá olhando para mim primÔÔÔÔ, num sei onde tá esse papel nãoooooo !!!!!
- Ai meu Deus do ceu , galera, pelo amor do nosso CARNAVAL cadê os documentos ???

De repente uma lucida voz surgiu lá de trás, no meio da turba em pânico:

- Alexandre pega os documentos, está no porta-luvas...(era Petrônio e sua pronta responsabilidade...) 

Alexandre abriu o que se dizia ser um porta-luvas e achou um embrulho amarelado com um símbolo do DETRAN, constatou  que era o motivo do pedido do guarda e passou para Bebel que repassou imediatamente, para o até então sóbrio motorista Carlinhos, um embrulho amarelado e cheirando a mofo que qualquer lixo decente rejeitaria na hora.
O coronel rodoviária (nesse momento já tínhamos promovido o simples guarda de trânsito...) recebeu o embrulho, abriu, analisou, depois foi conferir a placa traseira, olhou dentro do carro, fez a volta, analisou o teto, mala, fez uma vistoria geral. Não deu um único "piu", calado estava, calado ficou até o término da análise. Imaginávamos que iríamos receber a seguinte orientação: " desçam desse lixo, o carro está recolhido, a carteira de motorista apreendida e a jovem de menor recolhida ao juizado por estar dentro desse antro de perdição". O mais incrível é que o zeloso disciplinador das via públicas não fez nenhum comentário adicional a não ser a pequena frase: - ok, tudo certo, podem seguir em frente e bom carnaval. Antes de pronunciar a última frase de CAR-NA-VAL, Carlinhos já tinha arrancado receoso de qualquer recaída do coronel. 
Continuamos nosso trajeto. Atravessamos todo o complexo salgadinho, entramos na avenida Sigismundo Gonçalves (o trânsito ficou mais lento), continuamos até chegar ao Varadouro, viramos a direita e continuamos pela mesma avenida, depois navegamos na avenida Doutor Manoel de Barros lima e chegamos na praça do Carmo. Lá o trânsito parou completamente e a bateria da máquina também.
Segundo contratempo: já na curva entrando na avenida beira-mar quando a famosa bateria - a mesma que já tinha dado sinais de cansaço desde a preparação do carro - começou a gaguejar. Imediatamente foi acionado o veterinário de plantão Petrônio que após uma limpeza nos cabos de contato solicitou a ajuda dos aloprados passageiros do navio, para dar uma ajudinha e empurrá-lo até a bateria se dignificar a funcionar. Foi um corre-corre mas funcionou, colocamos o carro em movimento e continuamos a passos de tartaruga. 
Já estávamos em pleno carnaval de Olinda e consequentemente nas Virgens pois a maioria dos carros já eram destinados a assistir o desfile do famoso bloco. A cada parada longa do trânsito descíamos do carro, circulávamos pelo habitat e depois voltávamos para o carro. Num breve momento de despreocupação,  quando estávamos caminhando reconhecendo o ambiente, surge do nada e parte em disparada em direção a Alexandre, uma horrível virgem devidamente fantasiada com um vistoso vestido verde  (soubemos depois que estava a caminho do palco onde iria ocorrer a apresentação e eleição da mais bonita boneca do famoso bloco olindense), o agarra e tenta desesperadamente dar um afetuoso beijo (fato esse registrado em foto logo abaixo..). Alexandre, aos safanões, milagrosamente consegue se desvencilhar da figura, porém a convida para subir no carro e tomar parte do passeio até o ponto onde seria dado início ao desfile oficial do bloco. A jovem subiu no carro e alugou o espaço até o tempo que bem quis. Por motivos que a grande maioria já sabe, e que não nos cabe divulgar nesse momento, apelidamos a dama de verde de "Corrinho".



A virgem Corrinho atacando Alexandre.
 

No trânsito, na curva da avenida beira-mar de Olinda com Corrinho no topo do carro.
 
  
Atravessamos toda a avenida beira-mar com Corrinho no alto do carro, imponente e orgulhosa por desfilar num dos carros, ou melhor, no carro mais bonito desse carnaval. Na foto está bem claro sua irreverente figura bem no meio do teto, tendo Carlinhos ao lado, de pé, completamente possuído pelo espírito das Brahmas e Antarcticas, e já sem a mínima condição de dirigir. Petrônio já tinha assumido a posição.
Cruzamos toda a avenida beira-mar, hoje chamada de Marcos Freire, e no final entramos a esquerda e depois a esquerda novamente, chegando na avenida paralela a praia; estávamos agora na avenida Presidente Kennedy. Estacionamos o carro no acostamento e nos preparamos para a passagem das Virgens de Olinda.  



Estacionado a espera das Virgens de Olinda.


Enquanto aguardávamos as virgens passar.
   
Nesse ponto alguns desceram e foram reconhecer o ambiente. Outros ficaram no carro, também reconhecendo o ambiente do alto do barco; as cervejas já rolavam de mão em mão.
Nesse meio tempo visualizamos nos confins da avenida uma figura alta e magra perambulando despreocupadamente pela calçada, era ele mesmo: Marcelo finalmente tinha terminado seu café-da-manhã e devidamente guiado pelo seu fusca bege tinha chegado tranquilamente no foco das Virgens; rapidamente se integrou ao ambiente tomando posse do naco de cerveja que lhe cabia e do pedaço de espaço que o aguardava no topo do mundo, ou melhor, em cima do carro.
Exatamente nesse local, infelizmente, foi registrado por um fotógrafo "free-lance" uma cena constrangedora onde esse que vos fala foi obrigado a se abraçar com a virgem Corrinho, tendo Alexandre aos fundos satisfeito por mais um se tornar o astro numa foto com a dama de verde; é isso aí, são coisas do carnaval....   
As virgens passaram pela avenida durante um verdadeiro dilúvio, chovia litros e mais litros d'água na região, porém isso não impedia a farra que perdurou até o anoitecer.
A volta, por motivos óbvios, Carlinhos foi rebaixada a função de conduzido e Petrônio tornou-se o líder do volante e essas posições perduraram durante boa parte do carnaval.
Enfim, o teste tinha sido positivo: o barco navegou direitinho, sujeito a tempestade de verão e ao humor da bateria que cismou em não funcionar corretamente durante todo o percurso. Estava aprovado e preparado para a semana pré e os quatro dias de Momo. 





O dilúvio: eu, Paulinho e o Gordo Pinica no teto do carro, Marcelo e Alice em cima do motor.



As Virgens passando (Alexandre e Anibal na margem de baixo da foto...)


 
 

Fui obrigado a tirar essa foto....Alexandre, Paulinho e Ana Kátia por trás...
 









  
  
 
  

    
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário