quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Fabiano de luto ....


Fabiano chegou  à residência da sua ex-mulher aos prantos, desesperado, olheiras que tomavam metade do rosto, raios de fogo saiam dos seus olhos. Selma que já não aturava mais essas visitas repentinas abriu a porta já berrando:

- Que foi desgraça lá vem tu de novo com mais uma ladainha, desembucha, o que foi agora, levou gaia ??
- Ai meu Deus do céu você parece q num tem sentimentos, num tá vendo que tô chorando lagrimas de amor perdido...
- kkkkkk já tô vendo, foi gaia mesmo, bem feito para você, já basta o que sofri com tu miséria do cão ...
- Ai meu Deus, antes fosse gaia mesmo... - as lagrimas jorravam de Fabiano.
- Meu amorzino morreuuuuuuuuuu , o que será de mim,  .... , foi ontem de noite ; a bichinha se foi ....
- Num sei nem quem é a quenga mais digo logo: já foi tarde !!! antes ela do que eu ......  
- Ai meu Deus do ceu, meu coração tá partido, Clarinha partiu ontem e deixou o moreno aqui .... aiaiaia, como serão minhas noites de amor ?? preciso de carinho, vou dormir contigo hoje Selminha !!!!
- Ce vai dormir com o diabo, comigo não, xô xô, desinfeta daqui capeta do inferno !!!

O que sobrou de Fabiano se jogou no sofá e continuou berrando desconsolado, inundando a casa numa novela sentimental sem fim, as lagrimas jorravam sem parar.  

Fabiano viveu um relacionamento conturbado com Selma, foram noites e mais noites de cachaça, mulheres da vida e pagode, enquanto Selma aguentava calada as farras do sujeito que dizia ser seu marido.
Um dia Selma não aguentou mais e mandou pastar o bode "papa capim".  Após a destrambelhada separação Fabiano danou-se a fazer musculação imaginado assim que conquistaria alguma beleza nórdica, uma holandesa talvez, quem sabe, uma dinamarquesa, dessas que aparecem na tv em propagandas de academias; Ah !!, essa TV, a fabrica de sonhos perdidos.
Com o tempo Fabiano ganhou corpo, aumentou o tórax, os bíceps cresceram, os braços dobraram, ganhou peso; as pernas não, continuaram as mesmas, mirradas, esquálidas, dois sibitos segurando pouco mais de um metro e meio de cachaça e safadeza.
Depois das suas tentativas sem sucesso de voltar ao aconchego do lar e ao colo de Selma, o "Peito de Pombo" partiu para a luta, batalhou e ganhou o presente que tanto merecia: Clarinha. Bem, a jovem não era lá a beleza idealizada, as holandesas das propagandas mas, como ele disse, "seus olhos faiscavam sexo", e assim conquistou seu coração. A felizarda tinha 24 anos, era morena, baixa, pernas finas, cangaia e traseiro enorme, essa última observação foi a flecha do cupido q transpassou o coração do Peito de Pombo.

 Ainda deitado no sofá de Selma a ladainha continuava, aos prantos soluçava ininterruptamente.

- Ela suspirou pela última vez ontem Selminha. Foi tão triste. Novinha, bonitinha, com tanto amor para dar. Ai meu padim padim Ciço, que vida injusta !! não quero mais viver, acho q vou partir também ..
- Pera aí, pera aí, deixa que eu te ajudo a partir ... lá na cozinha tem um pacote de racumim que comprei ontem .... mistura com cachaça e vai rapidinho fazer companhia a quenga la nas profundeza do inferno - berrou Selma.
- Você não tem coração, tá brincando com os desíginios de Deus, vai pagar por isso sabia ?.
- Quem tá pagando por isso é você seu triste desgramado, se o racumim não resolver pula da ponte que eu chamo a carrocinha dos cães sarnetos para te recolher e jogar na mesma fossa da quenga...
- Selmaaaaaaaaaaaa, você tá maluca, não respeita a dor alheia ...
- cala a boca desgraçado, na minha casa, chorando essas lagrimas imundas e sujando meu sofá, pega o beco, xôôôô , se dana daqui ...
- Ai Selminha, faz um café para mim, preciso relaxar ...
- Como você quer o café meu bem, com açucar e racumim ou aguadinho ?? kkkkkkkk

O amorzinho de Fabiano não era amorzinho só dele, mais existia também um outro, o oficial:  o desavisado do marido. A jovem de 24 aninhos, o fogo em pessoa, não contente com as sofríveis noites de amor com seu esposo, arrumou para quebra-galho o ex-galo de briga de Selma para assim complementar suas necessidades sexuais; mantinha uma vida sentimental dupla, um dia com o oficial, outro com o "Peito de Pombo", dessa forma levava da melhor forma possível o seu dia-a-dia, ou melhor sua noite-a-noite.
Informações confidenciais, repassadas para Selma, por pessoas próximas, diziam que nosso herói gastava rios de dinheiro presenteando sua amante com objetos comprados em sexshops caros: preservativos coloridos com escudos de times de futebol, vibradores em forma de coelhinhos, pomadinhas ardentes e até mesmo bolinhas massageadoras.

No meio da choradeira Fabiano deu um pulo do sofá, ainda exnxugando as intermináveis lágrimas,  correu para o telefone e suspirou: - tenho que dar as condolências para Coriolando, o marido de Clarinha....
Tentou uma vez, duas e na terceira tentativa uma sofrível voz atendeu e aí iniciou-se um bate-papo surreal entre o urso e o corno:

- Aloooooooo !!! -  atendeu o corno ;  entre lágrimas uma voz embargada de Fabiano respondeu delicadamente - Bom dia camarada, pareia meu, como você está ?
- Quem tá falanlanlando ? respondeu Coriolando
- Seu companheiro e amigo para o que der e vier, Fabiano ...
- Ah Fabiano, o amigo de Clarinha ...
- Sinto muito meu amigo pela "nossa" perda irreparável, "nossas" noites não serão mais as mesmas - descaradamente Fabiano replicou.
- "Nossa perda", "nossas noites" !!!!????
- Fabiano continuou com a ladainha - precisamo ter forças, "sentiremo" muita falta do nosso "docinho".
- "Sentiremos ??!! , "nosso docinho" ??!!
 Fabiano percebendo onde tava se metendo encerrou o papo ..- Tenha o ombro amigo de seu parceiro para chorar ... estamos aqui para lhe ajudar, até logo !!! - desligou, não esperando nem um até logo do corno manso....

Selma berrou do outro lado da sala:

- Você não tem vergonha não aloprado, espirito de porco : o urso dando conselho para o corno...

- Pelo amor de Deus mulher desalmada, estou apenas confortando uma alma perdida ...
- Alma perdida é tu safado, caia fora da daqui, pega o beco e vai chorar tuas lágrimas de amigo da onça lá junto com o corno no buraco onde a quenga foi enterrada,,,
- Me arruma sua cafeteira e faz um cafézinho para mim ..
- Faço não ... para que vc quer a cafeteira ?
- Num é para agora, não ... quero levar mais tarde no velório para confortar a familia de Clarianha !

Selma perdeu toda o resto de paciência que ainda tinha e berrou o expulsando de casa::

- Eu quero que você, a cafeteira, o café, o corno, clarinha e família vá para o diabo que carregue. Ah sim, aproveita pede pro coveiro abrir um outro buraco junto dela e entra tu e o corno, agarradinhos, para dormir um soninho ao lado da quenga, Ah sim, coloca as bolinhas massageadoreas na defunda para ver se ela gemeeee ......

- Selmaaaaaaaaaaaaaaaaa -
- PEBEIIIIIIIIIIIIIIPAHHH, a porta berrou na cara de Fabiano....


Depois desse dia nunca mais se falou de Clarinha na frente de Selminha.....

           





  
  

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Alexandre e a frase do século ...



    A mais memorável frase dita durante todos os anos que passamos no Pina partiu de Alexandre, no início de 1981, cruzou inabalável o final do século 20, entrou no 21, e continua lembrada até hoje. Frase marcante, curta, sonora e que, por incrível que pareça, chocou uma família que já tinha visto de tudo na vida: a família Adams.

Em pouco tempo tudo foi arrumado: o local, o som, a bebida, a comida, e as demais variáveis que tornariam a festa possível. Tudo dentro dos padrões com exceção do lugar: esse sim, foi impensável, além do limite de qualquer imaginação, mesmo daquelas mentes mais desvairadas.      
Ficou acertado que a festa seria no apartamento da nossa amigas Monike. Para nós triste ideia, inglório destino. A sugestão partiu de Alexandre que num dia infeliz, tendo batido o "banzo" (a saudade dos negros escravos pela sua Africa natal) convenceu a todos que lá seria o ideal (talvez por ser bem perto da sua casa) pra uma noite vaga de opções. 
Além do local ser horrível (apertado, quente, ....) a presença de Monike seria um desfavor pra um dos nossos amigos, que num momento também de banzo, alguns meses atrás, tinha balançado a sociedade do Pina após ter "pedido em namoro" a jovem. O relacionamento durou uma breve semana e o seu fim, ao contraio do que se imaginava não foi o fim, e sim o início de uma lenda e da eterna dúvida: teria ele se aproveitado da garota, até onde foram as carícias, quem estava apaixonado por quem, de quem partiu a iniciativa do rompimento, teria valido a pena; Ah ! tantas perguntas, tão poucas respostas..              

Chegamos cedo. O apartamento ficava num imóvel térreo, tipo caixão, em plena avenida Conselheiro Aguiar, a poucos metros da padaria que hoje faz esquina com a rua Tomé Gibson.
Abrimos o portão (não tinha porteiro) atravessamos o minúsculo estacionamento, que servia pra dois carros, cruzamos um corredor lateral do lado direito até chegar no último apartamento do térreo. Lá batemos palmas, chamamos por Monike. Em pouco segundos a jovem apareceu, linda, leve e solta. 

Boa noiteeee queridos !

Boa noite, boa noite, boa noite e boa noite !!! - replicamos e já fomos entrando., 


Aos poucos os reduzidos convidados chegavam e rapidamente lotaram a pequenina sala. No centro foram retirados o tapete e um móvel de descansa copo, ficando apenas encostados na parede um sofá de três lugares (para apoio aos dançantes exaustos) e um toca-discos.
Alexandre, esperto para esses assuntos, percebeu que a cozinha estava bem ali, no seu nariz, ao lado da sua boca, e lá se plantou, lá se estabeleceu, garantindo assim o menor caminho para sua cerveja.

A noite tornou-se nublada, os cães uivavam errantes pelos arredores do Pina. O restante da família Adams acabava de chegar, liderado por Roberval e suas irmãs. Agora a festa estava completa. 

As cervejas passavam de copo em copo, de mão em mão, na vitrola as musicas variavam do forró a discoteca, da MPB a lenta internacional e por mais incrível que pareça a seleção era bem escolhida, animada e romântica. Mas essa última opção não era interesse de nenhum de nós. 

O calor era terrível, a sala era apertada e apenas uma janela gradeada ajudava a circulação do vento.

Vez ou outra Alexandre ia pra a "písta" de dança, rodava pra cá, rodava pra lá, vinha Monike, recusava, passava Fatiuska, corria pra longe, Socorrita aproximava-se, simulava uma ida ao banheiro, Conceicita piscava, fechava os olhos. Apenas Helena era colírio dos seus olhos e dos nossos também. Com ela dançávamos e nos divertíamos, com as outras só recusa.

- Pessoal, a cerveja foi para o espaço, vamos partir para a próxima etapa !!! - falou Alexandre noticiando a triste novidade.

Sem bebida e com os anfitriões que tínhamos, seria o fim-de-linha, o encontro teria que ser dado por encerrado, não tínhamos mais nada o que fazer ; era pegar o beco e partir pro bar Telhado Azul.    

Mas a estratégia já havia sido cuidadosamente preparada ainda durante a tarde quando da confirmação  da festa: Alexandre teve a estapafúrdia lembrança de uma inédita promoção no Bompreço da Avenida Domingos Ferreira, de uma garrafa de Vodka Natasha + garrafa de Whisky Drurys pelo preço de uma garrafa de Pitú. 
Trocados juntados, dinheiro arrecadado, e a compra foi confirmada.  

O Rei da Cerveja disse: 

- Fatiuskaaaaaaaa, traz nossa Vodka que essa é uma  ocasião é especial !!! 

- Vamos brindar a vida, tantas mulheres bonitas na sala merecem até muito mais do que isso ....

Comprovadamente já estava bêbado ..

A farra continuou agora ao som de Vodka Natasha. O sala virou um caldeirão: calor, barulho, música, ninguém se encontrava mais, todos perdidos na turba alucinada, Monike, Fatiuska, Conceicita e Socorrita, bailavam desvairadas, suadas, maquiagens borradas, mas muito animadas, enquanto nós enrolávamos um balanço, uma sacudida, circulando a sala sempre a uma prudente distância das jovens.

- A Vodka acabouuuu - berrou Alexandre ao perceber que o líquido branco das estepae estava no seu limite e  mais uma vez deu a ordem 

- Fatiuskaaaaaaaa, traz um whisky da casa !!!! 

A jovem prontamente atendeu e trouxe o terrível Drurys que não era da casa mas sim do Bompreço.

Nos anos 70 essa era a bebida da moda nos carnavais do clube Português. Carlinhos sabia seu efeito. Tantas noites perdidas na enfermaria do Clube, entre uma injeção de glicose e outra, inerte na maca, ouvindo ao longe as marchinhas de carnaval, o samba, o frevo ; esse era o seu lar, o seu habitat. 

Isso era o que se tinha, era o que iria se beber, e o whisky tornou-se o limite de fim de festa e assim foi até percebemos, trôpegos e exaustos que a sessão de terror estava se encerrando. Foi o fim mais feliz de festa que tivemos. Finalmente iríamos nos livrar do laço das herdeiras Adams e do calor insuportável que fazia na sala. A família Adams desapareceria da nossa frente..

Arrumadas e maquiadas as herdeiras da Família Adams já eram a imagem do apocalipse imaginem caros leitores como estavam após uma noite de calor, suadas, cansadas, sonolentas... 

Nos despedimos e corremos para a frente do prédio mas a família Adams nos seguiu até  a calçada onde lá voltamos a beber (até hoje não sabemos por que e nem qual era a bebida....). 

Alexandre, exausto e ébrio, sentou no muro do prédio e meio anestesiado iniciou uma desconexa conversa:

- E aí galera, foi legal mesmo a festa !!, valeu meninas, vocês estavam o máximooooo !!!

E foi caindo, caindo e caindo, ouvimos um barulho surd, e em seguida nosso amigo não estava mais no muro e sim do lado de dentro do  no jardim, deitado numa cama de areia e mato, entre o registro de água e um tronco resto de coqueiro; amortecido pelo álcool manteve-se inerte por apenas alguns segundos que foi o tempo suficiente para todos correrem para o acudir. 

Levantou-se com a ajuda de algumas da família Adams. Um cena deprimente numa noite dos diabos... 

A partir daí iniciou-se uma lamúria irritante por parte de Fatiuska, Monike, Conceicita e Socorrita, bem como da mãe anfitriã da festa. Frases como "Olha só o bichinho, tá pálido", "coitadinho, me dê sua mãozinha" , "venha tomar um copinho d´água !!", "leva ele no médico", ditas uma atrás da outra, sem suspiro, irritavam o nosso amigo que tropego, cambaleante, foi encostado no muro do lado de dentro do prédio.
A Ladainha da parentela continuava com frases irritantes de piedade, ajuda, conselhos, o que deixou Alexandre extremamente irritado. Percebendo, arrastamos rapidamente o corpo para a calçada e o jogamos no banco do carona do corcel de Carlinhos.

A familia Adams nos seguiu até a janela do carona e continuou com as recomendações..

O vento uivava na Conselheiro Aguiar, a madrugada dava as boas vindas, e os rostos das meninas Adams, com restos de batom, rouge, sombras nos olhos, suadas e cansadas, olheiras de alta noite,   na beira da janela foi o limite para a já esgotada paciência de Alexandre. Por instinto, numa reação imediata, reflexo animalesco, largou um insulto generalizado que hoje, juntamente com uma outra frase célebre ("Acho que vou pedir Monike em namoro") ainda ecoa nos nossos cansados ouvidos:

O amigo berrou a pleno pulmões com o punho cerrado, levantado, olhos vidrados e a cabeça escancarada para fora do carro:

- CARAIOOOOOOOOOOO  PARA TODO O MUUUUUUUUUNDOOOO  ......

O berro recocheteou pelas esquinas do Pina, assustando os cães vadios e os vagabundos perdidos, bem como toda a turma Adams, O boa noite de Alexandre foi uma surpresa para as donas da festa, pois até então o autor da aberração era tido por elas como um cara tranquilo, boa praça, digno de confiança e respeito e sem nenhuma incorreção que o desabonasse.

Não houve tempo nem de terminar o último "O" de "mundoooo" e nem repettir CARAIOOOOOO e Carlinhos já arrancava no seu Corcel, dando meia-volta na Conselheiro Aguiar, e retornando a toda velocidade em direção a rua Ondina, onde o berrante seria jogado na água fria.

Ao chegar em casa seu Zito, já percebendo e acostumado com o estado pós-farra do filho, apenas apontou a direção do banheiro: 

- Leve-o pra lá...

Jogamos o ser inerte na água gelada do chuveiro; o corpo ficou lá meio sentado, meio escorado na parede, meio pelado, meio vestido, perdido entre as doses de vodka e whisky. 

Anibal largou uma gracinha: 

- C@ DE BEBUM NÃO TEM DONO.

- C@ DE BEBUM NÃO TEM DONO.

O ex-Rei da Cerveja, protegendo sua honra, abriu um olho, escorou-se na parede e levantou os punhos em posição de defesa. 

 - NUM VEM NÃO QUE DOU PORRADAAA..... 

-  NUM VEM NÃO QUE DOU PORRADAAA......

Logo em seguida, segundos após armar-se, desarmou-se, e ali mesmo retornou ao sono dos desvalidos, dos bêbados e desenganados. Assim ficou e assim foi levado por seu Zito em direção ao quarto onde lá foi jogado na cama ainda forrada que um dia foi leito do também amigo Ajax no inesquecível dia da passagem do Papa João Paulo II.  

Os anos passaram-se e o vento do destino soprou para longe qualquer vestígio das meninas da troupe aloucada, do prédio caixão, e o que nos restou foi o eco da revolta do amigo Alexandre que até hoje nos faz lembrar a bendita noite..... 



   
Moradia onde desenrolou-se a festa do fim-do-mundo


     
        
    
  
 

sexta-feira, 22 de março de 2013

O carnaval de 1982 - O Dodge Dart: a compra e a preparação.




Não sei exatamente o dia e nem tampouco que horas se deu o nascimento da incrível ideia de comprar um carro velho  para o carnaval, só sei que o iluminado descobridor do famoso Dodge Dart de procedência duvidosa foi nosso amigo Carlinhos.
O Dodge Dart foi um automóvel desenvolvido nos EUA pela divisão Dodge da Chrisler  entre 1960 e 1976, sendo que aqui no Brasil sua produção continuou até 1981 com versões que, na época, tinha o mais possante motor já fabricado no país, um V8 que chegava a uma velocidade máxima de 180 km; era considerado um carro de Luxo que concorria com o Ford Galaxie e o Chevrolet Opala.  
No início de ano de 1982 nosso amigo me disse que, durante suas andanças pela cidade, tinha visto um carro branco enorme num ferro-velho lá pelas bandas de Apipucos, parecia em bom estado, pelo menos tinha portas, pneus, vidros, etc,  e que poderia servir para uma boa farra; assim lançou a brilhante pergunta:  - que tal comprarmos essa maravilha para o carnaval ?
A questão foi repassada para os amigos mais próximos:  Alexandre, Marcelo e Petrônio, que  toparam na hora, com exceção do Marcelo (aquele mesmo da aventura do fusca bege e as domésticas.....), que se mostrou cético com o projeto quando lembrou que a primeira coisa a fazer nesses casos seria gastar dinheiro para comprar e depois mais alguns trocados para resolver qualquer problema mecânico. Mesmo assim, após pressão, conseguimos seu apoio formal à tresloucada empreitada. 
Nosso amigo Aníbal (um dos personagens principais dos contos do Pina....) e já morando em Salvador nesse início de 1982, e obviamente longe das decisões, não foi consultado e consequentemente não vimos a cor do seu dinheiro; tornou-se assim convidado especial entrando na festa somente a partir do sábado de carnaval.        
Numa bela tarde partimos em direção ao local onde encontrava-se a relíquia. Paramos num ferro-velho suspeito na beira do açude de Apipucos, Casa Forte, descemos e fomos ao encontro do OLNI (objeto de locomoção não identificado) que Carlinhos tinha visualizado como possível fonte (e foi.....) de farra no carnaval. O dono do negócio extremamente  mal-encarado se apresentou como empresário do ramo da metalurgia e automobilismo e rapidamente nos levou ao encontro do OLNI: era um Dodge Dart bem acabadinho, jogado as traças, cor branca, com uma placa ainda decente (MD8524), portas que milagrosamente  abriam (como pudemos comprovar na apresentação...). Apesar de tudo isso o empresário nos garantiu: - o bicho anda e o melhor de tudo tem documento em dia; tirou do bolso uma bolinha de papel amarelado que em segundos transformou-se num documento emitido pelo DETRAN. Abriu a tampa do carro e nos mostrou o motor e em seguida a enorme mala, depois entrou no seu barracão e voltou com uma bateria velha em mãos, colocou no lugar, ajustou, entrou no carro, virou a ignição e o bicho pegou na hora. Surpresa geral !!!!
Após um breve bate-papo com o empresário voltamos para casa decididos a comprar o bagaço de carro. Agora entrava em ação a próxima etapa: convencer o resto da turma nessa arriscada decisão. Eu já trabalhava e era o único que tinha dinheiro em mãos para gastar; Carlinhos teria que recorrer a seu pai, Petrônio idem, Alexandre seria um pouco mais difícil, teríamos que convencê-lo a gastar seus tostões do crédito educativo, que oficialmente seriam destinados aos seus estudos mas na verdade era redirecionado para suas amadas cervejas;  por fim , Ah, esse seria o desafio maior !!!: Marcelo; esse era o avesso da belíssima música de Paulinho da Viola "dinheiro na mão é vendaval, é vendaval, na vida de um sonhador, de um sonhador..."
Depois de intensas discussões fechamos a compra e partimos em direção ao local assombrado onde o carro repousava a espera de algum maluco com dinheiro na mão. Chegamos, pagamos, pegamos o documento e partimos com o possante para o seu novo lar:  o quintal da casa de Marcelo. 
Primeira decisão em conjunto: quem iria dirigir a máquina durante o carnaval ? 
Eu dirigia desde 1978, Marcelo e Aníbal também mas nenhum dos três era especialista no volante. Alexandre era menos experiente ainda; o único carro que possuiu foi um fusca branco que não andava por estar sempre quebrado, em virtude disso passava noites ao relento, aberto as intempéries da natureza, o que levou as plantas a o possuir (alguém lembra do filme trash "os invasores de corpos"??), criando raízes, tomando conta do motor e adjacências e tornando o autoMOVEL em autoIMOVEL. Enfim, os quatro estavam descartados. Sobraram Carlinhos e Petrônio. O primeiro era o motorista precose do grupo. Já em 1978, na fase áurea das nossas farras do Pina, o amigo com 16 anos já dirigia com desenvoltura e segurança, diariamente, da sua casa na tamarineira até o Pina onde encontrava-se o foco dos "embalos de sábado à noite". Seu único problema era a cerveja pois depois da primeira as demais vinham por tabela e só parava quando a situação já era desesperadora, ou seja, quando estava estatalado no chão. Precisávamos analisar essa situação com calma.... A outra opção seria Petrônio que também já era um bom motorista porém como não fazia parte constante do grupo desconhecíamos seu talento ao volante mas sabíamos por terceiros que o cabra era desenvolto e  tinha uma qualidade importante nesses casos: não bebia.
Depois de intensos debates ganhou a primeira opção com ressalvas, ficando Petrônio para um previsível substituto para as noites de cachaças de Carlinhos (que sempre eram as primeiras....). Também descobrimos que ele era bom em mecânica por isso ficou com o cargo de assistente técnico para prováveis problemas com o motor e com o que restava do sistema elétrico da máquina.
Decido o motorista partimos para dar uma concertada no possante: arrumamos bons pneus, foi dado uma geral no motor e o guardamos a sete-chaves no terreno enorme que ficava atrás da casa de Marcelo, que na verdade era o quintal da casa pois tinha uma passagem ligando os dois espaços.
Na primeira semana da nova vida do Dodge surgiram as primeiras sugestões:
 
- vamos pintar o bicho ..?   
- que tal tirar a mala para dar espaço para colocar mais gente dentro ..? - gritou um ente perdido
- mais outro sugeriu, que tal arrancar as portas para dar mais adrenalina espiando o chão passar perto..? - gritou mais um outro sócio....
 
E a ideia mais estapafúrdia de todas. Alguém mencionou (não sei quem...):
- vamos tirar todos os vidros para o carro navegar mais rápido ..?
 
Entre uma cerveja e outra passamos o sábado pintando o carro. Todo tipo de sugestão era aceita, menos palavrão, enfim tudo era festa. Saiu várias pérolas:
 
"Marcelo Tarado"; "Marcelo maníaco sexual"; "Ana Kátia tamborete" (amiga de Marta que navegou no carro); tinha um monte de "CRAU", "CREU", vários "Bebel" (prima de Carlinhos e ativa participante dessa farra), "Gordo Pinica" (mais um amigo que participou do evento,  como convidado), "Loch Ness", "Os Queijudos", "Donzelos", etc, etc.
 
O carro era branco e foi completamente pintado, não faltou pedra sob pedra, ou melhor espaço sob espaço. Colocamos uma caveira bem grande na tampa do motor e nos demais espaços um monte de riscos coloridos e frases desconexas como as citadas anteriormente. O resultado final foi retumbante, o bólido virou um sucesso.  
Em seguida arrancamos a mala e as portas dando assim mais espaço para os prováveis convidados de última hora. O retoque final foi aquela ideia estapafúrdia de eliminar os vidros. Segundo quem sugeriu (identidade desconhecida.....) isso era fundamental para melhorar o equilíbrio do carro nas curva e adquirir maior velocidade nas retas. Os vidros foram retirados e o  que se constatou  na prática foi um desastre completo que terminou tornando-se uma comédia (descreveremos em outra oportunidade esse circo....).
A primeira foto do carro foi tirada ainda quando consertávamos os contatos da bateria (que inexplicavelmente havia falhado....), atividade essa designada para o nosso mecânico de plantão Petrônio. Minha irmã Martinha aproveitou a oportunidade para desfilar no teto tendo como platéia os sócios fundadores, além de alguns familiares que espiavam através dos muros vizinhos (a casa de Carlinhos é vizinha até hoje desse terreno...).
 
 
 

Martinha esquentando as turbinas, Petrônio (camisa azul e short branco) de olho no motor
e Carminha (mãe de Carlinhos) espiando por cima do muro.

   
 
  
Tudo pronto. A máquina estava preparada para seu primeiro desafio: o desfile das "Virgens de Olinda".
   
 
  
  
   

O carnaval de 1982 - O Dodge Dart: indo para as Virgens de Olinda.


Após algumas semanas de espera finalmente a máquina estava pronta para dançar o frevo. O dia escolhido foi o desfile das Virgens de Olinda que desde aquela época era oficialmente agendado para uma semana antes do carnaval. 
Num belo domingo ensolarado, pelo menos estava assim quando saímos, nos reunimos no quintal da casa de Marcelo visando efetuar os preparativos para o grandioso evento. 
Eu, Marta, Carlinhos, Paulinho e Marcelo, já estávamos de plantão desde cedo, já que morávamos ao lado da residência do possante; da mesma forma Isabel, transportada direto do RJ, que era hóspede de Carlinhos, já batia seu ponto cedinho da manhã;  Petrônio, nosso backup de motorista e mecânico oficial, vizinho de bairro, também chegou rapidinho; em questão de poucos minutos chegavam Alexandre e Andréa, diretos do nosso conhecido e palco de tantas aventuras, Pina . Depois dos representantes oficiais apareceram ainda Ana Kátia, amiga de Marta do Marista e Cristina amiga de Paulinho. Apesar de morar na rua ao lado Ricardo ("o gordo pinica") e sua irmã foram um dos últimos a se juntar ao carro. 
O motorista oficial Carlinhos ligou o carro e cadê sinal do motor ?!. nenhum ruído ao não ser o click da chave na ignição. Primeiro problema. Rapidamente foi convocado o veterinário de plantão Petrônio que prontamente entrou em ação abrindo o capô e concentrou-se no problema. Depois de uma breve limpeza nos cabos da bateria a máquina deu sinal de vida e o motor v8 mostrou todo o seu poder (HRUMMMM, HRUMMMMM, HRUMMMMMMr.....). Lentamente foi dado ré e aos poucos o possante foi atravessando todo o terreno, cruzou o portão de saída, posicionando-se, através das mãos ainda sóbrias de Carlinhos, em posição de embarque na rua.   
 

O carro pronto para embarque

  





Dr. Fernando aconselhando Carlinhos.



 
Surge então nosso saudoso e querido Dr. Fernando (pai de Carlinhos....) que ao observar a turba de jovens, possuídos pelos espírito de momo, animadamente preenchendo todos os espaços do carro entre os assentos dianteiro e traseiro, teto e a mala, resolveu se aproximar e com a maior boa vontade ratificou seus conselhos para ninguém menos que Carlinhos. O papo foi mais ou menos assim:

- meu filho você é o líder do grupo, está dirigindo, então tome cuidado com o trânsito ..
- pessoal tá todo mundo aí ? posso sair ?
- filho, checou os freios ?
- galera, e as cervejas, estão levando ? cadê a batida de Vodka ?
- Carlos Frederico, você tá ouvindo ??
- Beleza, beleza pessoal !! já tô babando por causa dessas cervejas..
- Carlos Fredericoooooo, você tá surdo ??!! ouviu o que falei.
- Sim, pai, para ficar de olho na bateria do carro , né ?
- Esqueceeee, Petrôniooooo, fica de olho no trânsito, ok ?
- ok, Tio, deixa comigo.
- Carlos Frederico, cadê sua prima Izabel ?
- Bebel, cadê vocêêêêê, onde se meteuuuuu por%%$a ??
- Oi eu aquiii, tô ao seu lado primÔÔÔ, tá cego ou já entornou todas as cervejas ou as batidas de Vodka... kkkkk.. ???
- Ah !!  ce tava tão quietinha que não te vi, acho que é esse óculos escuros que não me deixa ver direito...
- pelo amor de Deus, Carlos Frederico, tome conta da sua prima, ela é de menor..
- 14 anos é de menor pai ?
- claro que é, você tá doido, de olho ok, lembre-se que você é o líder !!!
- Pai, se eu ficar de olho nela não vou ter tempo de beber..

Dr. Fernando começou a perder a calma ..

- Você tá maluco, beber e dirigir não combina, no máximo 2 cervejas e mais nada !!!
- Paiiiiiiii sem cerveja não tem carnaval, Bebel é mais sabida que todos aqui......
- Fredericoooooo, prometi a sua tia que você tomaria conta de Bebel !!!!
- Ei garotaaa, pega leve, nada de agitação, tô de olho em você, ok, ouviu a recomendação de seu tio ??
- Fica fora dessa primÔÔÔ eu quero é curtir o carnaval...te preocupa com a tua cerveja !!!
 
Dr. Fernando entrou em desespero ..
 
- Olha só,  esse carro só sai se alguém se responsabilizar por essa garota de menor !!!
- Oieeee Tiôôôô, fica tranquilo eu tomo conta de mim mesma, já sou grandinha...
- Toma nada, tu só tem tamanho menina, você é uma adolescente !!
 
 O papo empacou e ficou nesse vai-e-vem interminável até que se iniciou uma manifestação de dentro do carro, partindo de Alexandre, depois eu mesmo gritei e depois um efeito dominó tomou conta de todos gerando um coro  de vozes desesperadas:
 
- AGENTE TOMA CONTA DE BEBEL !!!!  fica tranquilooo Dr.Fernandooooooooo !!! pé na tabua Carlinhossssss.....Vamos nessa galeraaaa, a cerveja tá esquentando !!!
 
Dr. Fernando, democrata, concordou com o compromisso da maioria e afastou-se do carro tranquilo por saber que sua sobrinha seria acompanhada de perto por pessoas tão responsáveis...(na verdade a turba estava endemoniada pelo vírus do carnaval e não tinha a mínima condição  de tomar conta de si mesmo  quanto mais de outro.....mas isso Dr. Fernando não sabia.....)
 
HRUMMM, HRUMMM, HRUMMM, o V8 chicoteou seus cavalos e a máquina partiu com Carlinhos no volante e de óculos escuro, estilo Waldike Soriano, Bebel ao seu lado, e Alexandre  tomando conta da porta do carona que não existia mais. Os demais estavam entricheirados nos buracos destinados aos restantes dos sócios e convidados: o banco de trás, mala e teto.    


Carlinhos ao volante preparando-se para chicotear o possante.
 
Instantes depois da partida descobrimos que Marcelo não estava; corremos até sua casa e nos deparamos como uma cena insólita: calmamente nosso amigo mastigava seu pão com manteiga básico tendo ao lado um café-com-leite ainda em fumaça. Ah !! conhecendo bem nosso amigo sabíamos que esse café seria um parto normal de quíntuplos; sem tempo para esperar, partimos sem ele, ficando acertado que nos encontraríamos em Olinda.   
Navegamos pela rua Canápolis, dobramos a esquerda pela estrada Velha de Água Fria, pegamos a esquerda (primeira infração: movimento proibido pelo DETRAN...) entrando na avenida norte e aí a canoa navegou nessa avenida por um bom tempo. Em seguida pegamos a Agamenon Magalhães, Carlinhos engatou a única marcha rápida que tinha e singramos em mar aberto com vento de popa em direção à embocadura das Virgens de Olinda.  



O carnaval de 1982 - O Dodge Dart: nas Virgens de Olinda.



No meio do caminho tivemos o primeiro contra-tempo. A máquina possante singrava os mares bravios lá pelas bandas do complexo Salgadinho e para um visualizador externo estava mais do que claro que o carro infligia todas as leis vigentes de trânsito: sem porta, vidros e malas, e o pior de tudo com gente pendurada no lado de fora (no teto do carro e mala), inclusive uma de menor, como era o caso da jovem carioca que seria tutelada por Carlinhos, conforme desejo de Dr. Fernando. Além disso a cerveja rolava solta dentro do barco, passando de mão-em-mão e de boca-em-boca.
Esse cenário de irregularidades, no século XXI,  seria digno do carro ser apreendido na hora, rebocado para o lixão e o motorista aloprado, responsável pelo bendito carro, perderia uma imensidão de pontinhos na sua carteira, mas em 1982 o papo era diferente; ainda existiam vestígios dos famosos "corsos" onde os motoristas saiam com seus carros enfeitados para brincar o carnaval de rua, por isso não existia tanto rigor na execução das infrações por parte do DETRAN. 
Pois bem, nesse caminho, um guarda cismou de parar o carro. Vimos o carro da polícia estacionado no acostamento e ao lado seu guardião estirando o braço ordenando que parássemos o Dodge no acostamento. Foi o que Carlinhos fez, arriando a âncora do navio e estacionando. O que o guarda viu já era justificativa para levar para o depósito o barco juntamente com seus marinheiros: Carlinhos, Izabel e Alexandre, no banco da frente ; no banco de trás, mala e teto mais uma cambada, eu, Marta, Petrônio, Paulinho, Andrea, o Gordo Pinica e a irmã, Ana Kátia e mais uma que até hoje não identificamos quem seria. 
A conversa do guarda com Carlinhos foi mais ou menos a seguinte: 

- Bom dia Jovens, os documentos por favor ?
- Pega os documentos aí Bebelllll ...
- Por que eu ? e eu sei lá onde tá esse negócio, primÔÔÔ ...!! Quer mais cerveja ???
- Deixa de brincadeira garota !!!!! , galera, cadê os documentos ??? ( o eco com a voz de Carlinhos repetiu-se dentro do carro por segundos.....)
- Serve meu tubinho de loló (brincadeirinha de Marta se referindo ao produto fabricado pelos seus amigos estudantes de Medicina..)
- O que foi que a senhorita falou ?!
- Nada não seu guarda, ela entendeu que o senhor tava pedindo água (falou Petrônio...)
- UMMMMM...vamos lá jovens  quero o documento do carro !!! . 
- Bora lá pessoal cadê o documento do carro ? (Carlinos já em sinal de desespero...)
- Por que você tá olhando para mim primÔÔÔÔ, num sei onde tá esse papel nãoooooo !!!!!
- Ai meu Deus do ceu , galera, pelo amor do nosso CARNAVAL cadê os documentos ???

De repente uma lucida voz surgiu lá de trás, no meio da turba em pânico:

- Alexandre pega os documentos, está no porta-luvas...(era Petrônio e sua pronta responsabilidade...) 

Alexandre abriu o que se dizia ser um porta-luvas e achou um embrulho amarelado com um símbolo do DETRAN, constatou  que era o motivo do pedido do guarda e passou para Bebel que repassou imediatamente, para o até então sóbrio motorista Carlinhos, um embrulho amarelado e cheirando a mofo que qualquer lixo decente rejeitaria na hora.
O coronel rodoviária (nesse momento já tínhamos promovido o simples guarda de trânsito...) recebeu o embrulho, abriu, analisou, depois foi conferir a placa traseira, olhou dentro do carro, fez a volta, analisou o teto, mala, fez uma vistoria geral. Não deu um único "piu", calado estava, calado ficou até o término da análise. Imaginávamos que iríamos receber a seguinte orientação: " desçam desse lixo, o carro está recolhido, a carteira de motorista apreendida e a jovem de menor recolhida ao juizado por estar dentro desse antro de perdição". O mais incrível é que o zeloso disciplinador das via públicas não fez nenhum comentário adicional a não ser a pequena frase: - ok, tudo certo, podem seguir em frente e bom carnaval. Antes de pronunciar a última frase de CAR-NA-VAL, Carlinhos já tinha arrancado receoso de qualquer recaída do coronel. 
Continuamos nosso trajeto. Atravessamos todo o complexo salgadinho, entramos na avenida Sigismundo Gonçalves (o trânsito ficou mais lento), continuamos até chegar ao Varadouro, viramos a direita e continuamos pela mesma avenida, depois navegamos na avenida Doutor Manoel de Barros lima e chegamos na praça do Carmo. Lá o trânsito parou completamente e a bateria da máquina também.
Segundo contratempo: já na curva entrando na avenida beira-mar quando a famosa bateria - a mesma que já tinha dado sinais de cansaço desde a preparação do carro - começou a gaguejar. Imediatamente foi acionado o veterinário de plantão Petrônio que após uma limpeza nos cabos de contato solicitou a ajuda dos aloprados passageiros do navio, para dar uma ajudinha e empurrá-lo até a bateria se dignificar a funcionar. Foi um corre-corre mas funcionou, colocamos o carro em movimento e continuamos a passos de tartaruga. 
Já estávamos em pleno carnaval de Olinda e consequentemente nas Virgens pois a maioria dos carros já eram destinados a assistir o desfile do famoso bloco. A cada parada longa do trânsito descíamos do carro, circulávamos pelo habitat e depois voltávamos para o carro. Num breve momento de despreocupação,  quando estávamos caminhando reconhecendo o ambiente, surge do nada e parte em disparada em direção a Alexandre, uma horrível virgem devidamente fantasiada com um vistoso vestido verde  (soubemos depois que estava a caminho do palco onde iria ocorrer a apresentação e eleição da mais bonita boneca do famoso bloco olindense), o agarra e tenta desesperadamente dar um afetuoso beijo (fato esse registrado em foto logo abaixo..). Alexandre, aos safanões, milagrosamente consegue se desvencilhar da figura, porém a convida para subir no carro e tomar parte do passeio até o ponto onde seria dado início ao desfile oficial do bloco. A jovem subiu no carro e alugou o espaço até o tempo que bem quis. Por motivos que a grande maioria já sabe, e que não nos cabe divulgar nesse momento, apelidamos a dama de verde de "Corrinho".



A virgem Corrinho atacando Alexandre.
 

No trânsito, na curva da avenida beira-mar de Olinda com Corrinho no topo do carro.
 
  
Atravessamos toda a avenida beira-mar com Corrinho no alto do carro, imponente e orgulhosa por desfilar num dos carros, ou melhor, no carro mais bonito desse carnaval. Na foto está bem claro sua irreverente figura bem no meio do teto, tendo Carlinhos ao lado, de pé, completamente possuído pelo espírito das Brahmas e Antarcticas, e já sem a mínima condição de dirigir. Petrônio já tinha assumido a posição.
Cruzamos toda a avenida beira-mar, hoje chamada de Marcos Freire, e no final entramos a esquerda e depois a esquerda novamente, chegando na avenida paralela a praia; estávamos agora na avenida Presidente Kennedy. Estacionamos o carro no acostamento e nos preparamos para a passagem das Virgens de Olinda.  



Estacionado a espera das Virgens de Olinda.


Enquanto aguardávamos as virgens passar.
   
Nesse ponto alguns desceram e foram reconhecer o ambiente. Outros ficaram no carro, também reconhecendo o ambiente do alto do barco; as cervejas já rolavam de mão em mão.
Nesse meio tempo visualizamos nos confins da avenida uma figura alta e magra perambulando despreocupadamente pela calçada, era ele mesmo: Marcelo finalmente tinha terminado seu café-da-manhã e devidamente guiado pelo seu fusca bege tinha chegado tranquilamente no foco das Virgens; rapidamente se integrou ao ambiente tomando posse do naco de cerveja que lhe cabia e do pedaço de espaço que o aguardava no topo do mundo, ou melhor, em cima do carro.
Exatamente nesse local, infelizmente, foi registrado por um fotógrafo "free-lance" uma cena constrangedora onde esse que vos fala foi obrigado a se abraçar com a virgem Corrinho, tendo Alexandre aos fundos satisfeito por mais um se tornar o astro numa foto com a dama de verde; é isso aí, são coisas do carnaval....   
As virgens passaram pela avenida durante um verdadeiro dilúvio, chovia litros e mais litros d'água na região, porém isso não impedia a farra que perdurou até o anoitecer.
A volta, por motivos óbvios, Carlinhos foi rebaixada a função de conduzido e Petrônio tornou-se o líder do volante e essas posições perduraram durante boa parte do carnaval.
Enfim, o teste tinha sido positivo: o barco navegou direitinho, sujeito a tempestade de verão e ao humor da bateria que cismou em não funcionar corretamente durante todo o percurso. Estava aprovado e preparado para a semana pré e os quatro dias de Momo. 





O dilúvio: eu, Paulinho e o Gordo Pinica no teto do carro, Marcelo e Alice em cima do motor.



As Virgens passando (Alexandre e Anibal na margem de baixo da foto...)


 
 

Fui obrigado a tirar essa foto....Alexandre, Paulinho e Ana Kátia por trás...
 









  
  
 
  

    
 

O carnaval de 1982 - O Dodge Dart: a semana pré-carnavalesca (estirado na grama e derrubando os mascarados)


 
Depois da farra das virgens de Olinda o barco estava completamente preparado para a semana pré-carnavalesca que batia as nossas portas. Durante esse semana pelo menos duas noites foram dignas de serem registradas para a posteridade: combinamos que alguns dias passaríamos pelas ladeiras de Olinda e outros na avenida Boa Viagem onde também já existia um interessante carnaval de rua; na verdade lá o carnaval de rua era um monte de carro, um atrás do outro, desfilando lentamente (no tempo dos nossos pais isso era chamado de corso...). Parecia ser uma excelente opção, tinha exatamente o perfil glamoroso que se encaixava nas nossas pretensões: desfilar orgulhosamente, ao longo da cidade,  o possante carro perante a turba maravilhada.. 
Então os mesmos componentes das estripulias das virgens estavam a postos para mais esse desafio, munidos de cervejas e batidas de Vodka que rolavam em todos os compartimentos do carro, inclusive o do motorista.
Na quarta à noite partimos para Olinda com o mesmo grupo de pessoas. Paramos o carro na avenida Liberdade, na praça do Carmo, exatamente defronte da atual faculdade FOCCA. Esse era o nosso ponto de apoio. Daí partiram para explorar as ladeiras da bela cidade, alguns como Marta e sua loló, e também  Alice e Paulinho. Os demais ficaram inicialmente no carro numa farra etílica.
Lembrando as recomendações de Dr. Fernando, Carlinhos chamou Izabel e solenemente iniciou suas inúteis recomendações:
 
- se liga garota, nada de  agito e farra, tu é de menor !!!
- sai dessa primôôô, cuida da tua vida e da tua cerveja q cuido da minha, isso aqui é muito bom, vou para a farra !!!
- se sair da linha coloco vc no trilho de novo.
- tchauuu, já sai da linha a muito tempo, o trem descarrilhou, não tem trilho nenhum por aqui, tô indo pular nas ladeiras e ninguém me segura....uauauauakkkkkkkk
- Bebellllll, volte aqui meninaaaaaaa ... (não houve reposta, Bebel já tinha cruzado a primeira ladeira atrás do bloco que passava...)
- Carlinhos deixa de frescura e vem aqui virar esse tubo de vodka  (gritou uma voz feminina perdida em cima do carro, era Martinha....) ...
 
O mundo alumiou, a noite tornou-se mais bela e Carlinhos partiu atrás da voz do além que o convidava ao delito alcóolico. Enfim, aconteceu o que prevíamos: jamais iria tomar conta da sua prima, a bebida seria sua prioridade. 
A noite passou sem mais anormalidades e lá na alta madrugada a turma pegou o beco para casa.. O carro partiu e no meio do caminho, numa área desolada perto dos Bultrins, fraquejou, tremeu de um lado, balançou de outro, arriou o seu lado direito e aí percebeu-se que o pneu já era, furou, exatamente num local deserto apropriado apenas para esconderijo de meliantes.
O barco parou,  Carlinhos desceu, cambaleou completamente alcoolizado e praticamente desmaiou  num resto de gramado ao lado da calçada, ficou estatalado no meio das pedras, urtigas e cactos. Alexandre e Marcelo, os únicos representantes do sexo masculino (os demais tinham voltado para casa antes disso...) desceram rapidamente, não para socorrer o motorista desmaiado, mas para tentar efetuar a troca de pneu, tarefa essa que se prenunciava impossível em virtude das forças escassas dos dois, decorrentes de horas de farra pelas ladeira de Olinda. As meninas (Marta, Alice, Andrea, Izabel, Cristina, Ana Kátia e mais algumas que não lembramos mais...) continuaram na maior tranquilidade completamente alienadas em relação a situação desesperadora.
Vendo seu primo estirado e inerte , Bebel gritou:
 
- ei primÔÔÔ acorda para cair de novo !!! kkkk
- vem tomar conta de mim, sou de menor !!! kkkk
- pessoal, bota um tubo de quick com vodka na goela dele que ele acorda !!! kkkk
 
A algazarra tomou conta do carro. Nesse meio tempo apareceu do nada um caminhão enorme, diminuiu a velocidade, viu o desespero e parou uns metros adiante. Desceu da boleia três negões estilo NBA (baskete americano...), dobrados, gigantes, e se dirigiram ao centro das atenções, o carro avariado, e perguntaram às belas meninas com voz retumbante em coro:
 
- E AÍ MENINAS, PRECISAM DE AJUDA, ESTAMOS AQUI PARA O QUE DER E VIER ???  
 
Alexandre e Marcelo gelaram, tremeram, empalideceram, imaginando já  a terrível notícia no Bandeira 2:
 
"ATENÇÃO, ATENÇÃO, ATENÇÃO....LINDAS MENINAS SEDUZIDAS A FORÇA NOS BULTRINS POR TRÊS NEGÕES  DESCONHECIDOS.  OS DOIS AMIGOS, QUE AINDA ESTAVAM SÓBRIOS, TENTARAM REAGIR E FORAM SEDUZIDOS TAMBÉM.  O OUTRO, COMPLETAMENTE EMBRIAGADO, QUE DORMIA ESTIRADO NO MEIO DO MATO, FOI SEDUZIDO VIOLENTAMENTE SEM ESBOÇAR QUALQUER REAÇÃO".

As meninas continuaram tranquilas e brincando e não tinham a mínima ideia do perigo que corriam. Dessa vez foi Marta que gritou se dirigindo dessa vez aos NBAs:

- E aiiiii parceiros, dá um cheiro no cangote do galego que ele acorda .. kkkkk
- Se num resolver troca o estepe dele.....uauauaukkkkk
- Se ainda não acordar bota esse tubo de loló nas ventas dele q ele levanta na hora .... kkkkk

Por incrível que pareça os Afro-descendentes foram muito educados, desconsideraram a piadinha da jovem aloprada e trocaram rapidamente o pneu do carro.
A volta do carro foi feita tranquilamente com Petrônio, que milagrosamente apareceu do nada, dirigindo na mais completa paz o carrão enquanto o motorista aposentado Carlinhos jazia inerte no banco de trás.


Na quinta-feira à noite fomos para a avenida Boa viagem conhecer o carnaval da zona sul. A informação que tínhamos era que o carnaval por lá baseava-se apenas em desfilar com o carro na avenida (o velho "corso"....), então partimos nessa direção com todos os integrantes do barco a postos com suas respectivas cervejas e vodkas. No meio do caminho pegamos alguns passageiros, Alice na avenida Norte,  Alexandre e Andréa no Pina, atravessamos a Conselheiro Aguiar e nas imediações do Castelinho entramos na beira-mar. O trânsito parou, estava tudo engarrafado, era carro para se perder de vista. O barco navegava em marcha lenta, sem vento de popa e de proa. A turba dominada pela cerveja se divertia alegremente, em cima, dentro e também nas vizinhanças do possante automóvel.
Em dado momento Carlinhos não aguentando mais o regime de dirigir sem se divertir largou a direção e me pediu para continuar guiando a passos de tartaruga. Pela primeira vez assumi brevemente o volante visto que nesse dia Petrônio não estava. 
Na nossa frente ia uma caminhonete com um monte de gente em cima, todos mascarados, entornando garrafas e mais garrafas de Rum Montila. Passamos um bom tempo nesse ritmo: nosso carro perambulava lentamente com sócios e convidados entornando suas cervejas e batida de Vodka e o carro da frente no mesmo ritmo no mau gosto da bebida cubana.
No banco da frente lá ia eu de motorista temporário; depois de um tempo de castigo enquanto os demais se divertiam decidi pedir a aposentadoria da função; porém, não deu tempo para isso, de repente percebi um vulto de mulher pulando no banco da frente, cantando em êxtase contaminada pelo frevo nordestino, num alvoroço sem igual: era Bebel. Não sei bem o que aconteceu  mas a partir daí o que me lembro foi uma "crônica de uma morte anunciada". Numa fração de segundos o carro, seguindo um impulso desconhecido, projetou-se para frente numa velocidade um pouco maior que o habitual, além do ritmo da caminhonete, o que ocasionou um leve esbarrão nesse veiculo, gerando assim um leve tremor no carro da frente; pelo que me consta apenas um dos mascarados deu uma leve balançada e se esparramou no caçamba, os demais se equilibraram com tranquilidade. Enfim, o esbarrão foi breve, simples e sem maiores consequências porém a turma do Montila fez um carnaval em cima do carnaval. Foi o maior drama: simularam quedas, arranhões e outros martírios sem precedentes. Vi alguns já com garrafas em punho com a intensão de nos revidar uma provocação inexistente. Com certeza tudo isso era ativado pelo álcool que deixava os mais nervosos e exaltados , valentes. 
Rolou um breve bate-boca dos dois lados, ameaça daqui, ameaças de lá ; estávamos em desvantagens pois percebemos uma grande quantidade de mascarados com físicos bem mais privilegiados do que os nossos mirrados músculos; além disso nossa diminuta coragem em assumir qualquer conflito nos colocava em inferioridade completa.
Aos poucos surgiu a turma do "deixa disso", os ânimos foram se acalmando e em questões de poucos minutos tudo voltava ao normal. Os mascarados foram curtir seu Rum e nós as cervejas e vodkas. 
O futuro advogado Carlinhos já exercendo seus dotes técnicos, simulando um breve interrogatório, iniciou uma interminável listas de perguntas descabidas:

- Duuuuuuuuu, que POR¨%$A foi essa, vc tá maluco , tututu batetetesse no carro da fente...?? (leve tremedeira - não de medo - mas decorrente do porre etílico....)
- Foi nada não CarlinÔÔ, fica tranquilo que o carro nem andou foi o outro que deu ré..kkkk , disse Bebel.
- Cala boca menina, fica na tua, não te mete não que eu quero é saber o que houve. Eu vi nosso carro batendo no carro dos mascarados ....
- Sei não Carlimhos, acho que meu pé gerou um reflexo incondicionado, provocando espasmos musculares que pressionaram o acelerador involuntariamente .. - falei
- É Isso aí DuÔÔ, foi isso mesmo...tá vendo CarlinhÔOOOOOO o nosso carro bateu sozinho. Nós num tem culpa não !!! cai fora e vai tomar tuas cachaças para lá.........kkkkk
- Eu quero saber o que aconteceu, o carro bateu exatamente quando você pulou no banco da frente !!!!  teu carnaval vai acabar hoje mesmo se tu não se ajeitar ok garota ??
- Se o meu acabar o teu acaba rapidin também primoÔÔÔ, Tio Fernando vai saber q tu tá de porre no volante, bebum..bebum ; digo também que cê ontem desmaiou na grama, que nem uma jaca,  e deixou os negões me agarrar....kkkk

A conversa entrou em loop num vai-e-vem sem fim, um duelo entre Carlinhos e Izabel até que uma alma caridosa nos chamou lá de cima ; subimos no palco, que era o teto do carro, deixando repentinamente Carlinhos de volta a sua função original: motorista embriagado.
A noite continuou sem maiores problemas e quando a madrugada adormeceu partimos de volta para o lar. 
 
A Semana pré terminou na sexta à noite em grande estilo; uma noite de gala. Em 1982 ainda existia a tradição de curtir as noites de carnaval em clubes que era ainda, na época, um evento tradicional e muito animado;  portanto, a primeira e única festa chique que participamos junto com o Dodge foi uma bendita prévia no Clube Português nessa sexta-feira. O mesmo grupo que foi às virgens e que curtiram as estripulias dos dois últimos dias, exceto um ou outro que se dispersou inexplicavelmente, preparou-se para o baile procurando as fantasias mais adequadas para o evento.
Com a exceção de Alexandre, que decidiu por um distinto Almirante, todos os demais cavalheiros partiram para fantasias de piratas e as jovens garotas de ciganas. Almirante, piratas e ciganas registraram a foto para posteridade. A noite transcorreu normalmente, com exceção de Carlinhos que virou todas as cervejas do clube imaginando-se um perfeito pirata "Barba-Negra"em pleno bacanal.
Enfim, fomos apresentados a semana pré e consequentemente plenamente preparados para o carnaval de verdade...     
 
 
Dentro do Clube Português.
  







O carnaval de 1982 - O Dodge Dart: semana de carnaval (sábado).



Após as estripulias nas virgens e na semana pré chegou a vez do carnaval. Todos os dias, de sábado a terça, o carro navegou nas ladeiras de Olinda, tendo como ponto de apoio, como sempre, a praça do Carmo.
Juntaram-se a trupe de aloprados mais alguns colegas: da avenida norte veio Alexandre, amigo de Alice de faculdade, de Casa Forte chegou Rosana amiga de Marta, e de Olinda estava presente aquele mesmo das incríveis aventuras do Pina, o camarada Anibal.
No sábado Carlinhos comprou uma peruca horrível, completamente descabelada e sem cor definida; com essa indumentária, além do óculos escuro e a camiseta laranja, seria convidado rapidamente a se hospedar num quarto VIP da casa de repouso  "Anibal Bruno". Por outro lado, Alexandre arrumou, não sabemos de onde, um enorme e amedrontador charuto estilo cubano que serviria de encenação durante todo o carnaval, como descreveremos mais tarde.
Já no primeiro dia, na primeira manhã, na primeira hora, Carlinhos tinha detonada várias e várias cervejas por isso no meio da tarde perambulava completamente desnorteado, perdido no espaço e no tempo. O carro estava no mesmo local, alguns brincavam em cima acompanhando os vários blocos que passavam, outros estavam dispersos pelos quatro cantos das ladeiras a procura de algum bloco.  


Carlinhos e sua e peruca aloprada já possuído pelas cervejas.


Avenida principal da praça do Carmo : foto tirada de cima do carro.

Carlinhos, perdido pelo álcool, se arrastou durante horas por  becos, vielas, travessas, subindo e descendo aleatoriamente as íngremes ruas da cidade alta. 
Em paralelo Martinha seguia o mesmo caminho atravessando na ordem inversa travessas, vielas e becos, também entorpecida pelo álcool, parando e seguindo cada bloco que passava, qualquer um, de grande a pequeno, de mundiça a gente fina, bastava ter uma bandinha e tocasse frevo e lá estava ela seguindo o passo do frevo.
Por uma incrível sorte, ou talvez destino, os dois terminaram se encontrando num local não identificado e a conversa que se seguiu será guardada para sempre como um dos papos mais psicodélicos e alternativos da época:
 
- Martinhaaaaaa, acheii você irmãzinha, está curtindo o frevo ?
- Olá brother, tÔ aqui né !!!
- Fazendo o que maninha ?
- Sentada, tu num ta vendo, ficou lelé !!
- Sim maninha, mas tu tá SENTADA fazendo o que ?!!!
- Ai meu deus !! tô sentada por que não tÔ em pé...
- Iche Maria !! deixa de onda maninha, o que é isso que tá na tua mão ?
- Um copo ...
- Num é isso que quero saber, POR*&A, o que ce tem dentro do copo ?
- Vodka !!
- Mas tá com cor de laranjada..
- Botei suco..
- Oba gosto de suco de laranja, é da laranja mesmo ?!!
- claro que não mané, é de saquinho !
- Tang ou Quick ?
- QUICK, QUICK, QUICK !!
- OBA !!! é desse que eu gosto, passa para cá um pouquinho Martinha...
- Experimenta, vê se esquenta tua guela..
- ummmm, arrrrrrrr, ta gostoso mesmo, manda vê mais ..
- Vai com calma brother, tu tá bebum, isso aqui pega fácil..
- Fica fria maninha, tÔ acostumado, sei cuidar de mim mesmo...
- Eu sei. vi você na quinta-feira estirado no meio do mato enquanto os negões taravam agente...kkkk 
- Deixa de brincadeira e passa mais uma dose.
- Segura essa dose mano, caprichei....uauauauauaua
- Marltinhaaaaaa, ilso é bão demais .. (voz embolada pelo álcool)... 
- Ei Martinha, onde tu tá guardando tanta bebida ??
- Aqui no meu cantil, tá cheinho, olha só, legal né ??
- Cantil !! onde comprasse isso ?
- Num camelô em Casa Amarela..
- Oba, é só para gente né ??
- Agora é, mas enquanto eu caminhava perdida pelas ladeiras emprestei uns goles pruns amigos..
- Emprestar, gole, que amigos ?
- Os maninhos que encontrava nos blocos por aí...
- Que maninhos, conhecidos seus ?
- Sim, conhecidos, conhecia nos blocos e ficavam amigos meus...
- Ai meu Deusssss, ARGGGGGG, quer dizer que nem sabe quem botou a boca nesse cantil .. ???!! - tu tás lascada, vai pegar doença na boca e eu também, nossa senhoraaaaa !!! vou perder meu carnaval ..
- Fica peixe companheiro, meus amigos quase médicos (colegas do marista que cursavam o segundo ano de Medicina...) disseram que o álcool mata os vermes e as bactérias... olha para minha boca tá vendo alguma coisa errada ? TÔ limpa brother....PAZ e AMOR !!!
 - Ah bommmm...
- Que buraco é esse na tua camisa maninha, alguém bateu em tu, DIGAAA LÁ QUEM FOI QUE VOU DAR UMA PORR¨%$DA NESSE ESC&¨%TO......
- Calma lá brother, deixa de brabeza, tu vai bater em ninguém, num consegue nem ficar de pé....
- EU DOUU PORRADAAA..
- VAI DÁ NADA, pega esse cheirinho aqui para relaxar...
- Que É isso, lança-perfume ? ummmm que gostoso ...tu és toda esquematizada menina !!
- Não companheiro, isso é a loló que meus amigos quase médicos fizeram !!
- Os mesmos do "álcool que mata vermes e bactérias" ?
- Sim, eles são brothers, sabem mesmo das coisas, estão curtindo uma tal de sociedade alternativa..
- Manda mais maninha...ummmmmmmm tá tudo girando.....
- E o buraco na tua blusa o que foi isso mesmo ?
- Foi esse cheirinho que tu tá gostando, queimou o tecido e a pele...
- Aiiiiii minha santinha de casa amarelaaaaaaaaa !!!!!! PUT$%$# MER%$, isso vai queimar meu narizinhoooo...vamos sair daqui sua doidaaaaaa, sinaum agente cai duro aqui  no chão; vamos simbora pro carro que tenho que tomar conta da minha prima !!!
- Tu não vai tomar conta de Bebel hora nenhuma, a garota tá pulando pelos mesmos becos e vielas que passei..
- Aiiiii meu pai vai me matar !!!!!
- Vamos lá galego, tÔ cansada mesmo daqui, vamos caminhando e tomando quick com loló ...isso aqui tá bão demais : "hoje eu sé quero alegria, é meu dia, é meu dia, hoje eu só quero amor, hoje eu só quero prazer, hoje vai ter que pintar, eu só quero a massa real, é o meu carnaval..."
 
Os dois chegaram só Deus sabe como na praça do Carmo e por tabela ao carro ..... a noite caminhou com mais cervejas e QUICK sem mais nada a se declarar.....   
 
 
  
Estacionados na praça do Carmo tendo Martinha na frente poucos minutos antes de
 se debandar pelas ladeiras.
 
Alice, Paulinho, Bebel e Alexandre (amigo de Alice) no
provavel momento que Carlinhos e Martinha travavam sua
conversa amalucada.