terça-feira, 2 de outubro de 2012

Crônicas do Pina : Os Embalos de Sábado à Noite




Quando os amigos se encontraram.


  O ano de 1977 marcou definitivamente o movimento da era "Disco" com o lançamento do filme "Saturday Night Fever" (Os Embalos de Sábado à noite). Era um filme despretencioso, com um enredo simples, que contava a história de um jovem do Brooklin, Nova York, que queria subir na vida dançando; o ator quase deconhecido na época, John travolta, lembrado apenas por um pequeno papel no cinema (O Rapaz da Bolha de Plástico,1976), foi escolhido para protagonista principal devido ao talento que tinha como dançarino da Broadway.
  Para compor a trilha sonora foi convidado um grupo Australiano de muita qualidade e já com experiência nas paradas de sucesso, chamado Bee Gees. A junção de Travolta com a belíssima trilha sonora dos Bee Gees foi arrebatadora. Em pouco tempo o filme, o LP e as discotecas estouraram no mundo embalados por músicas tais como Staying Alive, Night Fever, More Than a Woman, You Should Be Dancing e outras mais do grupo Australiano.



Cemas do filme "Os Embalos de Sábado a noite"


 Estávamos no lugar certo (morando na casa da minha avó Emília), no momento certo, no Pina, em meados de 1977, quando tudo isso estourou. Alguns dos amigos e amigas queridos que tenho até hoje, apareceram no meio de toda essa febre.  

Primeiro formamos o quarteto: eu, Carlinhos, Alexandre e Aníbal e em paralelo foram surgindo mais alguns personagens que serão apresentando a medida que as histórias forem se desenrolando. 

Era moda na avenida Boa Viagem, nessa época, os carros turbinados. Opala, Maverick, fusca, brasília, etc, todos equipados com vários de acessório que os fizessem chamar a atenção. Gastava-se muito pra se colocar pneus de tala-larga, jante de titânio, vidro fumê, toca-fitas, caixa de sons potentes, amplificadas com twiters enormes. A suspensão era rebaixada. Com isso muitos automóveis tornavam-se motéis ambulantes. Foi nesse ambiente que o primo Ivan surgiu.   

A "pirâmide", como era chamado, andava pra lá e pra cá, de uma ponta a outra da avenida, no seu Opala Branco completamente equipado. Seu apelido foi dado devido ao seu cabelo estar sempre arrumado, "em pé", duro, esticado, não porque usava laquê mas porque era de textura não fina. Era muito cuidadoso com seu cabelo. Dificilmente ia a praia e quando ia colocava uma touca pra que o vento misturado a maresia não danificasse o que já era danificado por natureza. 
Seu programa predileto era passear pela avenida nas tardes do domingo. Estacionava nas imediações do edifício Acaiaca e lá ficava num papo interminável com amigos que tinham a mesma preferência técnica: carros turbinados. Mas o objetivo não era só papo, nem carro, mas sim ação, caçar meninas, ludibriar as jovens com a falsa imagem de menino rico. 

Nessa mesma época surgiu o Gordo Araken. O primo de Carlinhos já era nosso conhecido mas a partir do momento que fomos morar no Pina ele nos seguiu e iniciou a partir daí uma boa amizade que durou por uns dois anos. Após isso desapareceu no tempo e perdemos seu contato.

Araken era o único que já trabalhava, era representante da Conexões Tigre, tinha um bom salário pra sua idade  (a mesma da nossa) e além disso a empresa disponibilizava um carro novinho pra uso nas visitas aos seus clientes, Era nesse carro, uma Kombi bege, que o amigo chegava lá em casa todo fim de semana. 
Em virtude do seu trabalho o Gordo era obrigado a se vestir num padrão de executivo, um luxo só, chegava sempre super-arrumado, calça social, camisa de manga comprida e sapatos de couro de pelica (lustrado ao extremo). Fizesse calor ou não, não perdia a elegância e parte do seu salário ia pra seu guarda-roupa.  
Foi o primeiro a conhecer o Edis Bar, junto comigo, e também o Coffee Shop no Hotel Miramar no terminal de Boa Viagem.
Alexandre juntou-se ao grupo em seguida. Depois disso surgiram Marta e Andréa, quando souberam que o gordo não tinha pena do seu dinheiro e pagava todas as contas (talvez pra nos impressionar pela sua posição de representante sênior).
Na seu carro íamos pra lá e pra cá, do Pina a Candeias, de Candeias a Olinda, de Pizzaria em Pizzaria, de bar em bar, num loop interminável no consumo de gasolina. Seu salário se esvaia do bolso pra nosso estomago, sem dó, sem pena. A gastança aumentava e era diretamente proporcional a presença das meninas, que de "gordinho fofinho" pra cá,  amorzinho" pra lá, encantava o coração do representante sênior.                     



Os embalos de sexta à noite. 

Empolgado com a efervescência das discotecas o gordo nos convidou pra irmos a boate numa determinada sexta-feira. No telefone ele acertou tudo comigo: iríamos nos encontrar na sua casa na Jaqueria e a partir daí sairíamos juntos até Olinda onde, segundo ele, tinha uma boate muito bacana. 
Lembro que o questionei se ele iria sozinho e a resposta foi empolgante: - não, tenho duas amigas muito interessantes que gostariam de nos acompanhar. 
As amigas eram duas vizinhas que moravam na frente da casa dele. Os nomes eram marcantes e até hoje ecoa na minha memória: Hilda e Izarilda.
Já desconfiando do que nos esperava, depois de saber os nomes "exóticos" das jovens, decidimos que quem ver nome não ver coração, e como não tínhamos lá grande coisa pra fazer nessa sexta (além do velho programa do Edis Bar) topamos o programa e confirmamos nossa presença. Ivan foi informado (só não falamos da nossa desconfiança) e por incrível que pareça aceitou também. 

O Opala branco ligou o motor e acelerou..

Ivan era conhecido por não gastar dinheiro a toa em festas. O máximo que fazia era pagar a entrada da boate, quando fosse um valor básico, em conta, tipo entrada pra estudante; beber jamais (só água), comer nunca, e dançar só música lenta e sem qualquer bate-papo. nada de perder tempo com conversa fiada, lamurias de amor, paixão, nada, nada. O objetivo erá focar o alvo, investir, seduzir, usufruir e descartar. Para tudo isso o Opala era fundamental. 
O carro era muito bonito e qualquer garota com um mínimo de raciocínio (que era o caso) toparia na hora um passeio; indefesas, deslumbradas, e no banco reclinável do automóvel, o plano da pirâmide jamais havia falhado. Esse era o nosso primo, um "bom vivan", o Don Juan dos proletários do Pina.  

O Opala partiu da Conselheiro Aguiar, onde Ivan morava, passou pelo Pina, embarquei junto com Alexandre, e continuamos o trajeto em direção a casa do Gordo. 

O carro era tão rebaixado que em muitos casos Ivan parava pra passar num buraco. Cruzar um quebra-molas, que não era tão comum na época, invariavelmente fazia seu condutor fazer contorcionismos com o volante visando evitar raspar seu fundo no chão. 
Todo fim-de-semana ele passava cera, lascando um polimento de dar inveja a qualquer espelho. Dia de chuva não saia de casa pra não sujar o carro de lama. Nada de entrar comendo no seu interior; a única comida permitida era outra ....    

Foi nesse carro tão bem cuidado, tão querido e amado por nosso primo, que estacionamos na frente da casa do Gordo, por volta das 21.00hs. Não entrei, apenas chamei, pois tinha um cachorro bem grandinho de guarda. Nosso amigo chegou já arrumado: calça social, camisa de manga, sapato brilhando, e com muito essência de almíscar selvagem. Perguntamos pelas meninas que ele tanto alardeava como as maravilhas do mundo, as Cleópatra da Jaqueira. Ele meio desconfiado atravessou a rua e pediu que aguardássemos pois a casa das meninas ficava bem defronte.

A cara que Ivan fez ao ver as duas Egípcias ficou na minha mente até hoje: cara de enjoo, decepção, medo, raiva, os sentimentos misturavam-se. Se arrependimento matasse, essa ria sua morte. Um sujeito que só investia em garotas bonitas jamais poderia aceitar tamanha infâmia. Gastou gasolina e tempo, andou o que jamais andaria atrás de uma mulher, pra descobrir que tinha sido enganado pela conversa fantasiosa do Gordo. As meninas eram muito feias: uma gorda e alta, enorme pra os padrões femininos, e a outra magra e também alta.
Como já dizia o pequeno grande poeta baiano, Vinícius de Moraes, "Desculpe as feias mas beleza é fundamental" ; naquela época, naquela idade, era assim que pensávamos, por isso a rejeição foi unânime e antes de as conhecermos já estavam dispensadas de qualquer investimento. Alguns anos depois, após a febre dos hormônios da juventude, tomamos consciência que o ditado não é era tão verdadeiro, e descobrimos que beleza não é tão fundamental..    
Ivan, depois da cara de abuso, retirou-se sem muita conversa, corremos atrás dele e partimos pra boate de Olinda, deixando pra trás o Gordo com suas convidadas que seguiram o mesmo destino mas de Kombi.

A noite encerrou-se sem maiores atrativos. Na boate (não sei mais o nome) da avenida beira mar de Olinda não tinha muita coisa pra se fazer além beber e ver as amigas do gordo dançar. Numa Tragedia Grega ou Shakespiriana (eis a questão)., eu e Alexandre partimos pra beber e assim passamos a noite, perdido no tempo, na música, sem mulheres, sem nada. 
Ivan inerte, estático, na beira da pista de dança onde luzes coloridas piscavam e as músicas dos Bee Gees varriam o salão, escaneava metro a metro, milimetro a milimetro, tudo, cadeiras, esquinas, banheiro, em busca de alguma garota. Mas nada !
O Gordo dançava sozinho, rodava, agachava (apertado na sua calça social tinindo no corpo), levantava, e com a mãe esquerda nos quadris e braço direito levantado acima da cabeça, numa das mais conhecidas coreografias de Travolta, rodava salão adentro, margeava as mesas se amostrando pra o público que não ligava o mínimo pra o seu desempenho, pois o que ele fazia não era nenhuma novidade pra quem estava acostumado ao mundo das discotecas. 
A belas amigas do Gordo estavam lá dançando também, sozinhas, mas dançando. Não nos aproximamos, procuramos outro rumo, novos ares. Ficamos perto do balcão de bebidas já que nessa noite a escassez de meninas disponíveis não nos permitia qualquer escolha. A última vez que as vimos dançavam livre, leves e soltas, felizes pela oportunidade oferecida pelo Gordinho que também havia pago seus ingressos de entrada.  

Em um dado momento Ivan irritou-se com o absurdo de tudo e se mandou. Seguimos seu rastro já que eramos caronistas e desse dia em diante não aparecemos mais na casa do gordinho e não vimos mais suas amiguinhas, que desapareceram num sopro do tempo..     
  
   



Os Embalos de Sábado a Noite.


Logo após estourar a febre das discotecas passamos a frequentar algumas boates da região sul. Inicialmente íamos ao Caktus Bar que ficava na avenida Conselheiro Aguiar. Era uma mistura muito agradável de bar-boate. Na área externa existia um jardim extremamente agradável, com muito verde, com mesas bem distribuídas. Na área lateral que era originalmente uma varanda, foram colocadas mesas também como uma extensão do ambiente do jardim ; a boate ficava numa área cuja entrada dava pra essa varanda. 

O Caktus era uma meia-boate e queríamos muito mais do que isso. Começamos então a frequentar uma boate no Centro Sul no Pina que tinha esse mesmo nome. Nessa época já frequentávamos a casa da nossa amiga Helena Vellozo, tomávamos muita cerveja aos domingos com seu pai que comandava a matinê alcoólica, aos domingos,  e em alguns sábados íamos juntos pra o Forro Cheiro do povo e Casa dos Festejos, ótimos encontros pra se dançar um bom forró. 
A boate era chique e só íamos porque sua irmã namorava com um cara chamado Celso, recém formado em engenharia, que bancava boa parte da conta. Pra dançar dividíamos a noite toda a paciente amiga Helena entre os três, eu, Alexandre, Carlinhos e Aníbal. A conta melhorava quando Celso não ia e sobrava Ana Vellozo também mas priorava por outro lado porque tínhamos que pagar a conta mais pesada.   

A Malibu, em Candeias, foi a boate da década, nosso xodó, nosso luxo.Era simplesmente uma casa reformada no meio de um terreno baldio, cercado por coqueiros, cajueiros e matos rasteiros, onde hoje provavelmente hoje fica a avenida Aírton Senna. O estacionamento não existia, colocávamos os carros ao redor da casa numa área de areia batida.

Uma das noites mais malucas que passamos lá será descrita a seguir:

Fomos no carro da minha mãe, uma Brasília. O carro era raçudo, segurava a onda, por isso criamos 7 lugares (dois a mais do padrão) e espremidos, atarrahados no seu pequeno espaço, seguimos em frente e partimos em direção a Malibu. Eu, Marta, Alexandre, Andréa, Ajax, Klênia e Waleska, confirmamos o que já sabíamos: era um carro danado de bom, pequeno e esforçado, famoso pela sua eficiência. 
A farra dessa noite ficou pra história e deixou lembranças aqui documentadas, com fotos raras já que na época poucos tinham câmeras, que um dia serão resgatadas pelos escafandristas, quando Recife, quem sabe, daqui a séculos, seja apenas uma cidade submersa. 

A boate não era muito conhecida por isso quando íamos não tinha lá uma grande frequência. Tinha sempre pouca gente. Mas nesse sábado foi um recorde e a pista de dança não deu pra quem quis. Seguiram também nosso caminho Junior (primo de Alexandre) e seus endemoniados amigos Pirata e Dorinho. A pequena Tatiana, outro parente de Alexandre foi junto apesar da sua pouca idade. Pra completar a família de primos Pedrosa chegaram os irmãos Marçal Junior, Marcone e Alberto. 

Juntamos todos em quatro mesas e aí estabelecemos nosso ponto de apoio pra noite. As mesas ficavam na margem da pista de dança então não era esforço algum ir dançar. A música tocava e já pulávamos pro salão e algumas vezes nem precisava, era só levantar e balançar. 
O ambiente de boate era super agradável. A seleção musical era excelente, uma série de músicas pra dançar, fruto da febre da discoteca, tocavam sequencialmente, intercaladas por belíssimas baladas destinadas aos casais apaixonados e aos que pensavam se apaixonar ou talvez pra os que desejavam apenas uns beijinhos, corpos juntos, rostos colados, etc. 
Luzes piscavam com Night Fever, luzes reduziam-se com How Deep is Your Love, e assim os Bee Gees e mais vários tops da época (Abba, Donna Summer, Gloria Gaynor, etc) marcavam seu som com canções inesquecíveis e que permanecem até hoje em nossos corações.

Waleska era conhecida por seus escândalos em cinemas. Vimos seus berros aterrorizantes no espetacular Alien o 8º passageiro (1979), no cine São Luiz. Foram gritos, pulos da cadeira, aperto e arranhões nas mãos de quem estava ao seu lado. Essa era sua marca, sua personalidade. A dose repetiu-se no filme "Golpe Sujo" no Moderno na mesma época. Então na Malibu não foi novidade quando ela promoveu uma grande agitação no salão.






Ela chegou quietinha na boate. Aos pouquinhos foi se soltando, mostrando por que motivo estava ali e tornou-se em pouco tempo a sensação da noite, a estrela do show.  
Ás músicas tipo discoteca foram passando uma a uma, as mais conhecidas, as melhores, as mais animadas. Estávamos todos no salão. Em dado momento começou a tocar I will Survive de Gloria Gaynor e aí animação chegou ao clímax. A música era uma das sensações do momento junto com as do Bee Gees.
As luzes coloridas em forma de bolinhas surgiu junto com a febre das discotecas e o efeito num salão de dança era espetacular. A Malibu não era a exceção e tinha suas luzes piscantes. Elas rodavam de um ponto a outro do salão de dança, percorria as paredes, teto, chão, mesas, num efeito infernal. Tudo isso graças a um disco com vidros coloridos que anexado a um canhão de luz no teto gerava imagens psicodélicas super-coloridas.  
Em êxtase, graças as bolinhas coloridas, e a música espetacular, Waleska começou a correr de uma ponta a outra do salão, ia e voltava cantando em inglês, rodopiava, balançava pra cá, balançava pra lá, era energia pura. 
De repente a amiga não se contentando em apenas dançar, parou num dos cantos do salão, respirou, pegou folego e saiu correndo em direção ao lado oposto, deu uma cambalhota, mãos no chão, pernas pra cima, deu mais outra, parou junto das mesas do lado oposto  e voltou no mesmo ritmo. Foram vivas pra todo o lado. A platéia urrava de emoção. Palmas surgiam de todos os lados. Influenciada pela audiência repetiu a dose e cruzou todas as diagonais do salão, todos espaços vazio,s e permaneceu nesse ritmo alucinante até o fim da música.
Passados quase 40 anos dos fatos a amiga nega veementemente as cambalhotas. Jura que  foi invenção da nossa bebida e das luzes coloridas rodopiando, que provocaram tamanho embaralhamento visual que perdemos a noção do que estava no chão e do que estava no ar. Simples ilusão. Mas sua justificativa não surtiu efeito, estávamos todos lá, tivemos a mesma emoção, vimos o inusitado e registramos pra posteridade o que jamais imaginaríamos ver.    


     
Waleska dançando com Marçal um pouco antes das piruetas na pista.

A roda-viva continuou nas mesas. Enchíamos os copos de cuba-libre, caipiroscas, whiskey, e ao mesmo tempo os líquidos iam sumindo, evaporando-se por encanto, a medida que a turma de Garanhuns, liderada por Alexandre e Marcone, fazia o que eles dominavam a muito tempo, pra lá dos seus ancestrais, os senhores de engenhos especialistas na garapa pingante.
Marcone estava completamente embrigado quando tomou mais uma decisão alucinada (assim como Waleska) que também marcaria a noite e faria da sua atitude uma lembrança pra os escafandristas. De um salto só, rápido, célere, totalmente equilibrado, como se não tivesse bebido o que já tinha bebido, subiu à mesa e começou a dançar no ritmo da música que estava tocando, a desvairada que fazia muito sucesso nesses tempos, "Born to be alive" (nascer pra estar vivo). A boate foi abaixo de emoção novamente. 
Após a apresentação circense de Waleska, palmas e urros ressurgiam da platéia que voltava a delirar. Nosso amigo entusiasmou-se e lascou a famosa coreografia de Travolta (mão esquerda no quadril e a direita levantada) quando entrou a próxima música (I should be dancing - dos Bee Gess). 
Ficou no alto, nesse seu cantinho, sendo o astro da noite, tipo teatro de mamulengo, durante um bom tempo. Desceu da mesma forma que subiu, de um salto só, e retornou ao seu lar como se nada tivesse acontecido. Sua casa era a mesa e seu combustível a bebida, aí ficou, aí estabeleceu-se, e assim continuou a sua noite.            
        



Foto tirada um pouco antes de Marcone subir a mesa: Marcone e Erika (vestido branco) e Klênia (vestido beje) no centro, atrás de Erika , Alberto (branco) e Marçal e Waleska.


Marcone e Erika na frente. Alexandre, Marçal atrás, Paulo e Tatiana (um pedaçinho de cada)




Fim-de-noite: Alexandre desmaiado na mesa ao fundo. Na mesa em close, Alberto, irmão de Marcone e Marçal, aguardando a conta junto com Klênia .

A noite ia passando pra lá do sopro da coruja. A galera não se aguentava em pé. Uns estavam adormecidos nas poltronas duplas das mesas, outros além de adormecidos deitavam-se nessas mesmas poltronas (vide Alexandre na foto acima) e mais alguns, os que resistiam, se arrastavam pelo salão, em transe, desgovernados, perdidos num espaço que num momento inesquecível foi uma pista de dança. 
Nesse clima de fim-de-festa novamente Marcone tornou-se o astro, e os refletores focaram a sua figura trôpega, desconjuntada, encostada numa mesa vazia bem no fundo do salão. Vimos suas duas mãos na altura do seu quadril segurando alguma coisa e foi aí que percebemos bem nos seus pés um líquido escorrendo pra todos os lados, e sem muito esforço identificamos que o conjunto da obrar era xixi. 
Não tivemos tempo de intervir porque o crime já estava feito. Ele saiu de fininho, como se não tivesse feito nada, como se fosse normal um xixi básico dentro de uma pista de dança e voltou sorridente em direção ao nosso grupo. 

A coruja já fechava os olhos quando decidimos encerrar a noite. Juntamos os trocados, tira dinheiro daqui, tira dali, era assim que um bando de estudante liso arrecadava fundos pra bancar os gastos da farra, pagamos e pegamos o beco da rua.. 

Quando já estávamos no carro (a brasília beje) e ainda não tínhamos passado a marcha ouvimos um estampido assustador que se perdeu no descampado onde estávamos, depois veio mais outro e mais outro. Vimos então que o bang-bang tinha partido do Maverick onde estavam os endiabrados Dorinho e Pirata; muita fumaça se espalhava em volta de uma janela aberta, a do motorista, e pra o alto um cano de uma pistola apontava pra lua cheia, linda, que alumiava o descampado de Candeias. O Maverick acelerou largando areia pra todos os lados e vimos ainda os rostos desfigurados dos dois soltando gargalhadas estupidas, que se perderam na noite, mas não no tempo, pois até hoje lembramos esse final glorioso.    .

A última recordação que tenho dessa noite foi cruzando a avenida Boa Viagem na brasília amarela, em altíssima madrugada, sentindo o cheirinho do breve amanhecer, e ouvindo o show particular de Waleska que de boca pra fora da janela do carona despejava todos os versos, e em inglês, da belíssima Take me Home, Country Roadas do disco Poems Prayers and Promises, de John Denver, e que vinha fazendo muito sucesso na época..
  
Blue Ridge Mountains
Shenandoah River 
Life is old there
Older than the trees
Younger than the mountains
Growin' like a breeze

Country Roads, take me home
To the place I belong
West Virginia, mountain momma
Take me home, country roads

All my memories gathered 'round her
Miner's lady, stranger to blue water
Dark and dusty, painted on the sky
Misty taste of moonshine
Teardrops in my eye

Country Roads, take me home
To the place I belong
West Virginia, mountain momma
Take me home, country roads











Fotos antigas - Família Lubambo Lyra



 casal 10 - Djalma e Vera - em algum ano antes de 1959