terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A invasão Bárbara





Assim como a música de Chico Buarque "Flor da Idade" (Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo...... que amava toda a quadrilha) o convite foi feito por Yolanda  para Carlinhos que imediatamente me repassou a novidade, então falei para Marta (que convidou seu namorado) e Aline (que repassou para seu já namorado Sérgio), para Júlio (que convidou sua namorada Zilda) e Ivan (que convidou seu Opala branco...) e finalmente para Alexandre (que convidou Anibal...), fechando assim toda a quadrilha.  

Em Candeias, em meados dos anos 70, a grande maioria das residências eram destinadas às férias de verão ou ao descanso de fim-de-semana ; não existiam pistas paralelas à principal (Bernardo Vieira de Melo) e sim um emaranhado de ruelas de terra batida, ladeada por árvores (coqueiros, palmeiras, mangueiras, jaqueiras, jambeiros, cajueiros, etc....) e muito mato (plantas rasteiras inúteis, urtigas, chique-chique, carrapateiras, carrapichos, etc). 
Na orla não existiam prédios, apenas algumas casas, poucos bares e barracas vendendo cervejas e peixes, as jangadas e pequenos barcos eram muito frequentes e as pessoas passeavam despreocupadamente pela areia. 
Quem tivesse dentro da água, como na foto abaixo, enxergaria apenas um enorme paredão de coqueiros no seu horizonte cobrindo toda a praia, que ia da curva de Piedade até Barra de Jangada.

Foi nesse local perdido que a amiga de Yolanda iria comemorar seus 15 anos.  



Praia de Candeias: Foto recuperada a partir de um filme super-8 registrado
por nosso tio Flávio no início dos anos 70.

Orla de Candeias em 1970 (aproximadamente 9 anos antes dos eventos aqui citado)


O percurso partindo do Pina era longo e após atravessar a avenida Conselheiro Aguiar e toda a Avenida Boa Viagem, da praça do terminal até o fim da curva de Piedade, surgia a avenida  Bernardo Vieira de Melo completamente despovoada e mal iluminada.  As ruelas paralelas e transversais, além de serem todas descalçadas e em época de chuva, intransitáveis, em alguns casos não existiam placas indicativas de nomes ou quando apareciam estavam escondidas pela imensidão vegetal que se espalhava pela região.

Candeias era uma área desconhecida por grande parte dos jovens no final da década de 70, mas nosso grupo já vinha frequentando a região quando descobrimos a boate Malibu e o Bar Candelária. Por isso não tivemos dificuldade em chegar lá.

Linda casa plantada em pleno paraíso tropical: muros altos escondiam uma imponente residência de verão, de construção plana, erguida num enorme terreno retangular, tendo ao seu lado uma piscina enorme (para os nossos padrões...) talvez com pelo menos 25 m de comprimento.
O terreno retangular era dividido ao meio pela casa e pela maravilhosa piscina que nos fascinava desde o dia que Carlinhos nos informou da sua existência. Completava a paisagem um imenso mundo verde distribuídos entre coqueiros e palmeiras, plantas diversas e uma grama havaiana belíssima, dando um toque de muito requinte e glamour ao ambiente. 

Não tínhamos convites, era tudo informal, tipo boca-a-boca, e o mais prudente era chegar bem cedo e avaliar a movimentação no portão, onde acreditávamos ter um porteiro ou segurança no controle da entrada



Nossa casa do Pina.
  
No dia acertado partimos todos junto lá de casa, no Pina. Chegamos sem problemas ao destino seguindo apena o mapa que Carlinhos forneceu. 
Entrando na rua vislumbramos imediatamente uma construção enorme cercada por um muro muito alto de granito, e muto verde, galhos de árvores frondosas e plantas tropicais elevavam-se por cima da construção. Fomos estacionando devagarinho na região de terra batida que circundava a casa.  

Ainda estávamos nos organizando, aguardando os retardatários, quando vimos o amigo Gordo Araken chegar na sua VW Kombi novinha, recém polida, e estacionar a alguns metros de nós.  
O jovem não nos viu, desceu super arrumado, banhado em lavanda, chique. calça e camisa de linho, sapato social preto brilhando, um verdadeiro dândi do subúrbio. Aproximou-se com um ar de quem já conhecia o ambiente, acenou com a cabeça para os dois seguranças que estavam no portão e sem qualquer cerimônia ultrapassou o limite que separava os pobres dos ricos. 

Seguimos o mesmo caminho do gordo, passamos rapidamente pelos seguranças e o que vimos em seguida foi um colírio pros nossos olhos, remédio pra nossas dores, um oásis no meios dos cajueiros e coqueiros de Candeias, uma maravilha que jamais tinha sido vista por nenhum de nós: uma piscina enorme e reluzente, gente bonita e chique, bebida e comida sem limites, e tudo isso sob o controle da linda lua de verão que pairava acima de nós. 
Em volta da piscina grupos de convidados conversavam animadamente e os vários garçons circulavam com tira-gostos e bebidas, ouvíamos música ambiente mas não sabíamos de onde.

Nos dispersamos por todos os lados, e assim a "invasão bárbara" estava estabelecida, 

Em volta da piscina existia uma área construída com lajotas de granito fino e em redor uma grande área de grama havaiana que se estendia até o limite que separava a casa principal. Coqueiros e palmeiras espalhados estrategicamente por todo terreno davam o toque tropical ao ambiente. 
Numa das laterais da piscina observamos um animado grupo  acompanhado por uma batucada e foi exatamente ali que nós, os bárbaros, fomos aos pouquinhos nos reunindo procurando se integrar ao carnaval fora de época.

No dia anterior havíamos combinados que levaríamos roupas de banho (calções, biquines, etc) pois conforme Carlinhos nos comentou existia a possibilidade de um banho de piscina no final da festa. Assim foi feito e todos foram com seus trajes das manhãs de domingo; alguns colocaram por baixo das roupas e outros deixaram dentro do carro. 

Num canto onde estava uma batucada observamos que alguns amigos de Yolanda e primos (Roger e Petrônio) conversavam animadamente. Nesse grupo destacava-se um amigo de Roger que todos chamavam de "cavalo". O cara era dobrado, com os músculos saltando de todos os poros, e muito alto, uma verdadeira muralha. Esse sujeito comandava a batucada, tocava vários instrumentos e tinha o monopólio das bebidas já que observamos que o garçons faziam paradas frequentes no local.
Percebemos então que esse seria nossa pista de pouso, e aos pouquinhos fomos aterrissando, conversando com um, bebendo com outro, criando raízes, e quando menos se esperou a maior parte do nosso grupo já fazia parte da turma comandada pelo "Cavalo" e foi aí que percebemos que todos ali eram os extra-convidados, os que foram sem nunca ter sido, oriundos das invasões bárbaras (aquela mesma que provocou o início do fim do Império Romano).   

Após a valsa da meia noite o evento continuou  com muita comida, samba, cerveja e whiskey ...

Enquanto o bárbaro "Cavalo" se divertia, tocava o agogô e sambava animadamente na beira da piscina uma criança passou correndo, como todas fazem em qualquer festa, e esbarrou levemente no paredão humano. O encontrão de uma formiga com um elefante jamais resultaria no que presenciamos. Com o esbarrão do garoto o elefante se projetou num salto monumental para a piscina e em questões de segundos uma avalanche de bárbaros seguiam o Cavalo e projetavam-se também em direção do delicioso azul-piscina. 
O azul perdeu a cor, a piscina virou um mar coalhados de peixes-agulhas saltitando em ovação a Netuno.
Procurei o calção no carro e não achei. Corri de volta e chamei Yolanda que me arrastou para dentro da mansão e iniciou uma procura desesperada e bem sucedida por um calção em desuso. Foi achado no quarto do irmão da aniversariante e ali mesmo fiz a troca. 

Ao chegar à beira da piscina vi cenas que até hoje se repetem pela minha memória:

Alexandre aos gritos - isso é um sonho, isso é um sonho , tudo de graça para mim, bebida, comida e piscina,  tô melhor de vida do que na rua Ondina - espanava água para todos os lados, dando braçadas e pernadas dessincronizadas e aleatórias, indo e voltando de uma lateral a outra da piscina completamente possuído pelo espirito de penetra; seus berros se misturavam com os dos demais que também já estavam na água;
Marta da mesma forma que Alexandre retribuía a algazarra  urrando. Quanto a Carlinhos ninguém ouvia sua voz. Como em toda festa Carlinhos já estava completamente embriagado, jogado num dos cantos da piscina, boca escancarada engolindo cloro aos litros, olhos vermelhos injetados pelo álcool, sem a mínima condição de manter qualquer diálogo com quem quer que fosse. 

Olhei ao redor procurando Ivan e não achei.

Ah, Ivan ! esse não poderia estar na água, nunca foi visto dentro do mar ou piscina, não que fosse sujo, era até limpinho, mas o problema era o seu bem cuidado cabelo que em forma de pirâmide, armado, intocável, não permitia associações com a água. Ele estava no salão de festa, provavelmente de pé, de braços cruzados, como sempre fez, rastreando o ambiente em busca de alguma jovem desavisada que pudesse aceitar seu convite pra conhecer seu Opala branco.

Assim como Ivan o amigo Araken encontrava-se no salão mas não na beira e sim no meio, dançando, e a essa altura da festa sozinho, meio agachado, mão esquerda no quadril, braço direito levantado, lutando contra as coreografias de John Travola e ao som dos Bee Gees. 

No meio da algazarra observamos uma pessoa emergindo aos berros do fundo da piscina segurando alguma coisa brilhante na mão. Nos aproximamos e vimos que era Sérgio que gritava.

- achei ,achei, achei, um trancelim de ouroooo, quem perdeuuuu  ????!!!.

Aline ao seu lado apenas disse:

- meu Deus do céu, esse é o seu tracelim, tá ficando doido é ???!!!!  

Em segunda após ter sido esclarecido o equívoco, colocou de volta no pescoço e tornou a mergulhar e continuou o seu banho dourado..

Coisa de bêbados mesmo, brincadeirinha de crianças, dois jovens de 20 anos de idade fazendo uma aposta pra ver quem seria o mais rápido nadando até o outro lado da piscina. Inimaginável, mas aconteceu ! 
Partimos jogando água para todos os lados, desviando da turma que se aglomerava, ricocheteando nas laterais, engolindo água, suspirando, coração na boca. Na chegada bati violentamente a cabeça do outro lado  da piscina. Sem óculos e uma miopia acentuada, impediram-me de saber onde encerrava-se a aposta. Tonto, inerte, apenas ouvi os vivas de Alexandre proclamando-se vencedor de algo que nunca existiu.

O sinal de alerta indicando que o espetáculo estava encerrado foi dado quando o dono da festa foi visto de short no terraço da casa e os garçons deixaram de circular em torno da piscina e as luzes da casa principal foram se apagando gradativamente. 
Com dificuldade arrastamos Carlinhos que não tinha a mínima condição de sair sozinho de dentro da piscina; Alexandre e Aníbal saíram rapidamente depois que ouviram um boato que o Gordo Araken encerraria a noite no Edis Bar.
Partimos em busca das benesses do galanteador das discotecas e terminamos a noite olhando para uma imensa piscina de água salgada criada pela natureza, a praia do Pina, tendo como tira-gosto, não caviares e lagostas, mas batata-fritas e filezinhos de coelho, acompanhados de Brahma.
Foram apenas boatos, o Gordo Araken não financiou qualquer rodada de cerveja (as meninas não estavam.....) e a festa acabou de verdade enquanto o sol já raiava no horizonte da praia ....