sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Diário de viagem - Visita a vinícula Undurraga - Chile



Na antiguidade os gregos batizaram Dionísio como o deus do vinho e posteriormente os romanos apresentaram uma alternativa a esse redenominando-o de Baco, porém os dois representavam a mesma coisa,  o deus do vinho, da ebriedade, dos excessos especialmente sexuais. No teatro esses dois eram sempre representados por criaturas alegres, fanfarrões, sempre com uma taça na mão e dispostos a participar dos famosos bacanais. 
Saindo do contexto europeu e suas lendas milenares e girando o relógio do tempo para a America do Sul, quem for ao Chile e não conhecer o paraíso terrestre - as vinículas - sob a gestão desses deuses do além, não conheceu de verdade a terra de Neruda.
O chile tem características geográficas bem diferenciadas em relação aos demais produtores mundiais. É um país com 4.500km de comprimento, mas com apenas 154 km de largura na sua parte mais estreita e 445 km na parte mais larga. Sua localização geográfica faz com que o país fique espremido entre os Andes a leste e o Oceano Pacífico a Oeste, tendo ao norte o deserto do Atacama e ao sul os lagos Andinos e os Glaciares.
Esses limites geográfícos geram barreiras naturais na proteção dos vinhedos, criando obstáculos para a proliferação de doenças nas plantações, tal qual a filoxera que dizimou os vinhedos europeus na metade do século XIX. Além disso, outra vantagem é a excelente irrigação proveniente das águas cristalinas e gelidas do degelo dos Andes - aquelas mesmas que passam  pelo rio Mapucho , que corta boa parte de Santiago - bem como pelos inúmeros rios que cruzam os vários vales da região. Finalizando, o governo também implementou  rígidos controles fito-sanitários, elevando assim a qualidade da produção e a geração de frutos saudáveis.
O chile tem 117.000 hectares de vinhas plantadas e por volta de 100 vinículas; hoje é quinto exportador mundial atrás apenas de França, Espanha, Itália e Australia. O país está dividio em cinco regiões de vinho, com suas subdivisões: Coquimbo e Atacama, Aconcagua, Valle Central e Região Sul. A grande variedade de solo, clima e altitude permitem uma enorme diversidade de produção.
Com todas essas opções partimos então para conhecer uma vinícula. Inicialmente pensamos na Concha Y Toro, a mais famosa e conhecida aqui no Brasil mas depois soube que os passeios por lá não são bons pois a demanda é muito grande e o tour é muito rápido. Além disso, também fui informado que nesse tour são degustados apenas dois tipos de vinho ; Ah ! isso não !! insuficiente para quem veio de longe curtir o produto abençoado por Baco e Dionísio.
Procurei algumas alternativas procurando conversar com amigos, que tinham feito o mesmo passeio, e descobri que um bom tour seria a vinícula Undurraga; além de ser perto de Santigo (34 km), o tour é mais demorado e um detalhe especial, aí sim, de acordo com a normas estabelecidas pelos deuses gregos e romanos, podíamos degustar até quatro tipos de vinho. Isso sim era o ideal !!!
A Undurraga fica no Valle Del Maipo, no Valle Central, nos limites urbano de Santiago; para chegar lá existe a opção de ir de metrô, a partir de Santiago, com destino ao terminal San Borja e lá pegar um ônibus com destino a Talagante. Não fiz essa opção pois já tinha fechado um pacote com a companhia de turismo que reservou o hotel; Fui de VAN ...
A vinícula é muito bonita, a casa principal com uma arquitetura colonial muito bem cuidada, cercada por amplos jardins, gramados impecáveis, árvores e muitas flores. O clima estava agradável, em torno de 20º.


Viña Undurraga
Vinícula Undurraga

chile-novembro-2009-149



 
Iniciamos o tour as 10.15hs ficando responsável pelo nosso grupo um rapaz muito jovem, no máximo uns 23 anos, que nos levou inicialmente para uma caminhada pelos jardins, com direito a paradas em pontos estratégicos para fotografias. Chegamos na plantação e o rapaz iniciou  sua aula de vinho. Foi um show, o cara, apesar dos seus 20 e poucos anos, sabia tudo do assunto. Começou falando em espanhol e depois, aos que não entendessem a língua, falava em inglês.


O jardim

Parada para fotos





A vinicula foi fundada por Don Francisco Undurraga em 1885, com plantas trazidas por ele mesmo da França e Alemanha. Foi durante muito tempo gerenciada pelos seus descendentes, sendo considerada durante muito tempo uma empresa familair e tradicional. Porém a poucos anos atrás teve 50% de seu capital vendido para uma famlia colombiana, que iniciou o processo de abertura para o mercado externo e modernização de processos, adqiuriu novos vinhedos e contratou um enólogo. 
Paramos bem na frente da plantação principal; o guia começou sua aula explicando os diversos tipos de solo, clima, como é feita a  plantação, época de colheitas, problemas com as pragas, e finalmente mostrou as plantações com safras especiais (reserva, gran-reserva, etc) . Disse também que a colheita da uvas é feita de forma manual e que normalmente dias moderadamente quentes e noite frias são ideais para uma boa colheita, porém isso não é uma regra geral.



A plantação


Após a colheita entra em cena o processo de fermentação ; o guia nos levou para um grande galpão onde é feito todo o processo: as uvas são colocadas num recepiente enorme de vidro onde são mecanicamente esmagadas produzindo o "mosto". O próximo passo é desintegrar esse mosto (separando a parte líquida do sólido) visando preparar para a fermentação, para isso adiciona-se sulfito, leveduras e grandes quantidades de açucares. Por fim adiciona-se água morna. 
Tem início a primeira etapa do processo de fermentação: num recipiente aberto, com temperaturas entre 21 e 24 graus celsius, deixa-se em repouso o preparado até no máximo 1 semana, as leveduras consomem a sacarose enquando o dioxido de carbono é liberado para a atmosfera devido ao fervor do "mosto" e a crescente quantidade de etanol, gerado pelo processo, elimina aos poucos as leveduras. Este primeiro processo de fermentação, onde pode-se visualizar as primeiras bolhas  e espumas, tem seu término.
O guia agora nos levou para um outro local onde é feito o processo final de fermentação. Nesse mesmo galpão existe uma área enorme com contendo os fermentadores de aço-inox onde o liquido e os residuos resultante da primeiras etapa são lacrados nesses recipientes, visando evitar o contato com o ar, e adormecido em temperaturas baixas. Durante esse processo, que pode durar semanas, e exigir a troca entre vários recipientes, a matéria líquida, o vinho , é  separado dos sólidos (cascas, caroços e detritos).

O processo de fermentação



Esse processo pode durar entre uma a sete semanas dependendo do tipo de vinho, a que se segue a decantação, colagens e filtragens. Tudo feito nos recipientes lacrados de aço-inox.
Já estava com água na boca, alias, com vinho na boca... 
Concluindo a fermentação, o conteúdo final é colocado em barris de madeiras os quais são acondicionados em adegas numa temperatura mais fria ainda.
Nesse ponto, o guia, nos levou para uma imensa área no subsolo com mihares de barris de madeiras armazenados e identificados por safras, nomes das uvas, data, etc; era a Adega. O uso correto da madeira é tão importante para a qualidade final do vinho quanto a a qualidade da própria uva. A madeira mais adequada é o carvalho, testado durante séculos mostrou-se o mais aconveniente para o armezanamento do vinho, em virtude de ser mais resistente, leve maleável, impermável e cujo o saber tem mais afinidade com o vinho.

     
Adega



Existem dois tipos de carvalhos: o americano e o francês; esse último é mais caro que o americano, sendo utilizado nos vinhos especiais (reserva, reserva especial, etc); o preço do francês fica em torno de U$ 1.000 e do americano em U$ 500; o barril não leva pregos, as ripas são todas encaixadas, o vinho extrai componentes da madeira o que vai influenciar no aroma e sabor final.  As empresas normalmente usam o mesmo barril por no máximo quatro vezes, após isso eles são descartados e usados para outros fins.O tamanho padrão de um barril é de 225 litros.
Depois da colheita, safra, fermentação, barris, envelhecimento, aguardávamos ansiosamente a fase final: a degustação.... 
Concluído o tour o guia encerrou agradecendo a atenção e pronunciou as palavras mágicas que tanto esperávamos: "Personal, pasamos ahora a la degustación. Se seleccionaron cuatro tipos de vino para ti" ("Pessoal, passamos agora para a desgustação. Nós selecionamos quatro tipo de vinhos para vocês").
Fomos apresentados, sob os auspícios de Baco e Dionísio, a uma enorme mesa repleta de taças e várias garrafas de tinto e branco, variando entre seco e suave. Foi uma festa !!! apesar de oficialmente a norma ser de provar quatro tipos de vinho em quatro doses, isso não foi a realidade, ultrapassou-se as quatro doses em muito, resultado disso: muito barulho, risadas, conversas paralelas, uma pequena festa digna dos dito deuses.
No final, depois de várias rodadas de tintos e brancos, os guia nos levou de volta a casa principal, abrindo a sessão de compras; adquirimos três vinhos (um tinto e dois brancos), cada um na faixa de 5.000 pesos (em torno de R$ 20,00), e também alguns chaveiros de lembrançinhas.
Antes de partir perguntamos ao guia se ele tinha feito algum curso de vinho, faculdade ou coisa semelhante, a resposta foi simples: "não fiz nenhum curso, eu nasci aqui dentro da vinícula........". Ah, que vida difícil a dele !!   



(Janeiro/2013)


  

 











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