quinta-feira, 3 de maio de 2012

Crônicas do Pina : Acho que vou pedir Monike em namoro !!!



Como tudo começou.   

  Conhecemos a "Família Adams" em 1978,  numa sexta-feira treze, em plena noite fria e nublada de lua cheia. O vento uivava juntamente com os cachorros errantes que vagabundeavam, a espreita de alimentos, pelos becos perdidos do Pina. 

A dita família residia num dos mais antigos edifícios da avenida Boa Viagem, o Jangadeiro, e por infeliz coincidência vizinho de onde morávamos. Essa foi a primeiro território que conhecemos porém em questão de meses eles saíram pingando pela avenida, como ciganos, passaram a morar no Edifício Caiçara, logo depois veio o Oceania, em seguida para o Beira Mar e finalmente para o edifício Mar del Plata, sendo esse o último esconderijo que tivemos conhecimento da trupe aloucada. Após isso eles simplesmente esfumaçaram-se no espaço e não os vimos mais. 



Edifício Caiçara (uma das moradias Adams)

                                    
Meu tio Breno tinha um apartamento no Jangadeiro e conhecia o patriarca da família, o avô Adams, Zé Custoso. que morava no mesmo prédio. Até hoje não sabemos quem apresentou quem mas o que sei é que por obra e graças do destino terminamos conhecendo o neto do patriarca, Roberval, e a partir desse momento fomos apresentados uma-a-uma às suas irmãs e primas alvos desse conto. 

O romance de um dos nossos amigos com uma das herdeiras começou aí ....  

Roberval morava com seu avô, sua mãe e as irmãs Telma, Conchita e Socorrita, respectivamente por ordem de idade. A mais velha era muito bonita, de corpo perfeito, morena clara, rosto ovalado, olhos levemente puxados, cabelos pretos soltos e ondulados chegando aos ombros, Alexandre nos alertou da sua beleza ao vê-la na praia caminhando num belo dia ensolarado de domingo. Fomos conferir e imediatamente a elegemos nossa "Garota do Pina". 
Infelizmente o destino não nos presentou com a sua amizade, visto que ela era casada, e o que nos sobrou foram as duas mais novas que desafortunadamente tinham o DNA inverso da mais velha. Ao sermos apresentados "ao resto" nos deu a oportunidade de conhecer pelo mesmo meio (Roberval) mais duas da mesma família, as suas primas Monike e Fantine, e que tinham infelizmente também o mesmo DNA predominante da família.    
Por falta de opção mesmo, nada mais do que isso, passamos a sair com as quatro, juntamente com Roberval, pra algumas boates da região e até mesmo festinhas na casa de um e de outro. 

No início não percebemos nada mas com a convivência observamos que um dos nossos amigos, exatamente aquele que tinha se esbaldado na noite do Aeroclube dançando com a amiga da empregada da casa dos  Vellozo, foi enfeitiçado pelos encantos de uma das familiares Adams, a Monike. Mas ficou apenas nisso (uma leve percepção) e continuamos a conviver sofrivelmente com as jovens durante todo o ano até que tudo se consumou na triste noite na boate Malibu.  



Na Boate.

Numa manhã chuvosa de sábado onde se previa lua cheia, muito vento e cachorros uivando pelas esquinas do bairro decidimos, novamente desafortunadamente, passar uma noite na boate Malibu juntamente com Roberval e sua parentela.

A noite juntamos todos e saímos em dois carros: Carlinhos no seu Corcel conosco e Roberval no seu fusca azul com toda a família Adams. As bichinhas, apesar do DNA, estavam todas muito bem arrumadinhas, maquiladas, cabelos com luzes e meias soquetes coloridas, tudo combinando com a moda da época onde as boates foram transformadas em discotecas, seguindo assim a febre que tomou conta após o lançamento do filme "Os Embalos de Sábado a Noite".. 

Passamos no apartamento das meninas e Roberval lá estava a nos aguardar. Nem paramos, com um sinal de luz apenas avisamos que estávamos chegando, e continuamos a marcha rumo a boate. O fusca azul e sua trupe de fim do mundo nos seguiu.   

Ao chegar a boate o negocio começou a perder o rumo exatamente quando descemos do carro e nos encontramos com Roberval e sua família; apesar de já conhecermos sua parentela direta, as irmãs, só tínhamos visto as primas Monike e Fantine por breves apresentações em dia já esquecido por isso Roberval nos reapresentou e foi aí que tivemos material pra esse conto e pra mais várias gerações futuras.        

Notamos qualquer coisa de estranho no brilho dos olhos de um dos nossos amigos, o Don Juan do Pina, o galanteador de domésticas da Aeroclube, quando apertou as mãos e deu um cheirinho de um lado e outro na Monike  O eterno romântico talvez tenha pensado com seus botões os versos do nosso grande Tom Jobim - "Quando a lus dos olhos seus e a luz dos olhos meus resolvem se encontrar". 
Sim, foi um encontro de almas gêmeas, uma troca de energias afins, o encaixe perfeito de dois seres que não se encontravam por acaso (isso não existe) mas por uma singela conspiração e sincronia do universo.  

Pesarosos e apreensivos tomamos lugar na nossa mesa, tendo noutra mesa ao lado Roberval e sua turma, pedimos nosso rum com coca e iniciamos a única coisa que poderíamos fazer nessa noite: beber e assim a noite foi se passando...   

Inúmeros sucessos da disco dance passavam no toca-fitas da boate (na época não existia ainda o famoso DJ), bebíamos e circulávamos pela pista de dança sem maiores compromissos. A família Adams esbaldava-se em felicidade. As meninas dançavam como nunca na vida o que era muito justo e compreensível pois jamais tinham recebido um convite de rapazes do nosso nível, estudantes universitários, simpáticos, inteligentes e de boa família.      

De repente acabou-se o balanço e o toca-fitas passou pra uma seleção das melhores baladas do momento. Músicas pra os casais enamorados ou os que estavam prestes a isso. Foi aí que tudo começou a dar errado pro nosso grupo: nosso galanteador não esperou nem o suspiro inicial dos Bee Gees, que iniciava How Deep is your love, e correu pro lado da família Adams, na direção de Monike e desafortunadamente a convidou pra dançar. Ela aceitou e o que vimos daí então foi um cenário pra filme de terror: 

Sua maquilagem já tinha se exaurido com o suor de horas dançando, o rosto era uma grande mancha branca e vermelha proveniente do que um momento foi uma pintura preparada as pressas e sem qualquer prática. Seu cabelo já não tinha mais penteado e sim uma desarrumação. Eis o DNA da família Adams na sua plenitude, às nossas vistas, e foi assim que a noite nos deu esse presente de grego.  
A bebida, o ambiente escurinho, a música, somados a afinidade que os dois sentiam um pelo outro guiaram o casal de enamorados por um mundo de fantasias e sonhos. De longe víamos a jovem de olhos fechados, com leve sorriso, abraçar seu parceiro pra mais junto e entrelaçados entre si, como cobras, flutuarem pelo salão, leves, felizes, cientes da sua felicidade e sabendo que ali eles eram os protagonistas, as estrelas da noite.

Depois de esgotado todo o repertório romântico da boate o casal (agora enamorados) retornaram à mesa, exaustos, de mãos dadas, ela com olhos que brilhavam, lábios semiabertos em êxtase, ele orgulhoso como macho alfa ciente da sua infinta capacidade de encantar a mais inimaginável das garotas (inclusive as do Aeroclube). 
Minutos depois ele nos chamou num cantinho separado e nos confidenciou que estava muito empolgado com a menina. Achou-a bonita, simpática, sensual, gostou do seu perfume, sentiu a "maciez" da textura das suas mãos, provou a "suavidade" da sua língua (isso indicava que ocorreu beijos ardentes) e então nada mais poderia esperar senão formalizar o que era seu desejo reprimido desde que a conheceu. Foi aí que ouvimos uma das frases mais marcantes desse século 20. 

- Acho que vou pedir Monike em namoro. 

Ele não estava bêbado, não era seu costume, bebia muito pouco, presumimos o que levou nosso amigo a essa decisão sem sentido foi uma característica marcante e curiosa da sua personalidade que poderíamos chamar de distorção de realidade, que transformava o feio no bonito e vice-versa. Em resumo, pra seus olhos, Monike tinha o mesmo DNA que sua prima Telma. 

Ponderemos, argumentamos, insistimos mas nada feito, o jovem bateu os pés disposto a ter uma namorada a qualquer preço. Assim foi feito e em dado momento não registrado por nós formalizou o relacionamento e embarcou numa viagem inglória em busca dos segredos da Monike.
Saímos da boate tristes belo destino do nosso amigo. A última imagem da noite que tivemos foi vê-lo, do nosso carro,  no banco traseiro do fusca de Roberval com os braços por cima do ombro da sua nova companheira em pose de recém casados.    
          
    


Passeio de patins.      


O namoro foi um fracasso retumbante, pois durou apenas míseros e sofríveis sete dias: do sábado à noite na boate até a noite do outro domingo. Nesse período nosso amigo se enfurnou diariamente na casa da jovem, conheceu sua família, seus hábitos, suas manias, sua intimidade, mandou e desmandou, era o chefe do pedaço. Soubemos que Monike estava extremamente empolgada e que não saia mais de casa. Seu dia-a-dia era aguardá-lo no portão e entre beijos e abraços fazia-o conhecer o que até então ninguém tinha feito, sua magia, seu coração, sua paixão reprimida.     

No sábado presenciamos uma cena ridícula e que era a cara do relacionamento absurdo que o colega tinha se metido. Estávamos conversando na varanda lá de casa, papo vai papo vem, e o assunto terminava no dito caso, quando de repente vislumbramos lá no horizonte, um pouco antes da praia, na pista de patins recém inaugurada, um casal passeando despreocupadamente de patins, de mãos dadas, possivelmente um casal de enamorados. Alexandre gritou - são eles !!! 
Era verdade, infelizmente o que víamos é o que jamais imaginaríamos ver. Nosso amigo de peito aberto, estava lá mostrando ao público pinense (como se fosse grande coisa) sua namorada. Era uma cena do fim dos tempos: ele de camiseta polo branca, bermuda jeans, tênis e meia soquete e ela de saia curta rosa, blusa de duas cores, meias soquetes coloridas, sapatos de meia altura,  tipo os personagens da novela Dancing-Days. 
Depois de quase uma semana de ausência o casal dava o ar da sua graça e mostrava a todos que o relacionamento era pra valer mesmo, existia amor, cumplicidade, e as famílias apoiavam (nós não) de bom grado.

Atravessamos a avenida e fomos de encontro ao casal. A medida que nos aproximávamos percebíamos os cochichos dos dois, os risinhos, as brincadeirinhas, as mãos aqui, as mãos acolá, que indicavam que durante a semana teria existido bem mais do que um simples abraço, um simples beijo, as intimidades tinham avançado com certeza.    



Vista do parque do ponto onde os três amigos vislumbraram o casal de mãos dadas patinando.

Foi com um breve olá que abordamos o casal. Vimos que a cena era mais bem mais feia do que do lado de lá da varanda de casa. Ela estava terrivelmente maquilada, muito parecida com a noite da boate, onde manchas brancas e rosas se estendiam canto a canto das bochechas. Vimos suas mãos já suadas entrelaçadas com as do nosso amigo ; vimos batom na sua camiseta ; vimos tanto carinho nas suas expressões; vimos tanta coisa...     
Sentimentos ambíguo passavam por nossas mentes: o que estávamos vendo na nossa frente seria culpa nossa, por não ter impedido no dia da boate, ou obra de um destino irremediável que o arrastou pra um relacionamento findado ao fracasso. e que as lembranças de tudo isso o atormentariam pelos restos dos seus dias (e aos dos nossos também). 
Sem muito mais o que conversar partimos pro Telhado Azul e deixamos o casal livre pra continuar seu passeio mal-assombrado pelo parque.    
         




Vista lateral do parque.



O fim do tormento.

 No domingo, após o encontro no parque, decidimos aplicar o golpe fatal, usaríamos da justificativa que ele estava se afastando do nosso convívio, largando os amigos estimados por um caso que não teira chance alguma de sucesso. 


Após o futebol na praia, passando longe do meio-dia, partimos em direção a Peixada do Lula que tinha um dos melhores caldinhos de peixe da região, e a cerveja era conhecida como uma das mais geladas dos becos do Pina. Nosso amigo foi junto. Foi muita conversas, um longo bate-papo de frente pro mar, as conversas rolavam animadamente.. Num dado momento pressionamos o Don Juan e iniciamos uma série de questionamentos em tom de possibilidade que o deixou pensativo e acabrunhado:   .

- imagine seus dias junto da parentela Adams.
- imagine seus dias na praia com ela.
- imagine seus dias sem a cerveja conosco no bar.
- imagine suas tardes passeando de patins.
- imagine seus dias acariciando aquela mãozinha áspera.
- imagine seus noite provando aquele língua de lixa de tubarão.
- imagine seu DNA misturado com o dela gerando novos DNAs.

A pressão surtiu efeito, fomos duro demais e as alternativas fizeram nosso amigo balançar e despertar pra realidade e ver que o buraco era mais mais embaixo do que imaginava.. A medida que o tempo passava e a cerveja ira fazendo seu efeito percebemos que essa noite seria a última noite do casal. Enfim, havíamos conseguido quebrar o encanto e passamos a ter certeza que a partir da semana que se seguia teríamos o retorno do amigo, completando o quarteto que fora rebaixado a trio durante intermináveis e longos 7 dias.

Por encanto essa noite foi iluminada por uma lua maravilhosa, sem nuvens, o vento soprou suavemente, as folhas dos coqueiros balançavam suavemente e os cães, agora bem alimentados, passeavam tranquilamente pelos becos do pina . Era uma nova era de paz e prosperidade que se alumiava pra nós. 





Outras moradias da família Adams : o prédio azul chama-se "Oceânia" e o branco ao lado - escondido pelas árvores "Beira Mar".



Última moradia conhecida da família Adams - Edifício Mar del Plata


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