terça-feira, 10 de abril de 2012

Crônicas do Pina : A volta ao mundo em 10 minutos


  O bar da Candelária, nos confins de Candeias, fazia muito sucesso nos anos 70. Era o único na beira da praia e tinha uma área muito espaçosa, tanto do lado de dentro onde ficava o restaurante, quanto na área de fora onde ficava as mesinhas pro bar. No muro da frente, nos momentos de maré alta, a água batia incessantemente nas pedras que o protegiam. O ambiente era muito agradável e o era um sucesso na época. 

Então numa linda sexta-feira de clima maravilhoso, com boa brisa e nenhuma nuvem escondendo a lua cheia, decidimos ir ao dito bar. Pra isso nos reunimos na casa de Alexandre, na rua Ondina n.52 no Pina, e lá nos organizamos pra decidir que iria com quem, quantos carros, quantas pessoas, toda a estratégia pra noite. 
A organização foi rápida e quando percebemos estávamos eu, Alexandre e Marcone sozinhos e a procura ainda de uma condução. Vimo que havia apenas um carro livre. Nele, o motorista e um carona. Achamos muito estranho ainda existir um carro a nossa disposição, estava muito acima do nosso nível financeiro de simples estudantes universitários. Era.um estonteante Ford modelo Maverick, vermelho, com jante de titânio, tala larga, vidros fumês. super rebaixado. 
Esse modelo fez muito sucesso aqui no Brasil e foi fabricado no período de 73 a 79. Tornou-se um sucesso entre a juventude que curtia velocidade porque o carro era uma verdadeira máquina de correr e fazia, no modelo V8, 100 km em pouco mais de 10 segundos. 
Os dois sujeitos dentro do carro eram amigos de Junior, primo de Alexandre, e estavam lá á toa e ainda, por sorte nossa, se preparando pra ir também para o Candelária. Não perdemos tempo, corremos em direção ao bólido, nos apresentamos e entramos sem cerimônias. 
O motorista chamava-se Dorinho e o carona Pirata (esse apelidado devido ao seu olho eternamente a meia luz, semifechado).

Do banco traseiro onde nos alojamos, Marcone no meio, eu numa ponta e Alexandre noutra, ouvimos um ronco horroroso de partida do carro. Os anfitriões ligaram um som ensurdecedor no toca-fitas TKR novinho em folha e o carro em questões de segundos já estava cruzando a rua Tomé Gibson que ficava a uns 300 metros de onde saímos. Devido a aceleração do motor V8 sentimos um puxado desconfortável no estomago, os olhos espicharam, o coração saltou pela boca, a sensação era como se estivéssemos numa montanha-russa.    

     
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                               Ford Maverick - 1976

O trajeto até o Candelária deveria durar em torno de 30 minutos. Teríamos que atravessar toda a Avenida Conselheiro Aguiar, do início do bairro do Pina, e que era mão dupla na época, e com vários semáforos distribuídos nos cruzamentos principais, até o terminal de Boa Viagem. Logo após, atravessaríamos toda a avenida Boa Viagem que ia do Grande Hotel até a curva de Piedade, onde a partir daí entraríamos oficialmente na avenida Bernardo Vieira de Melo em Candeias. Lá o Maverick teria que atravessar mais essa longa avenida  até chegar no final de Candeias, já perto de Barra de Jangada, onde localizava-se o famoso bar Candelária.

Dorinho tinha uma fisionomia de poucos amigos, sério, olhos semicerrados. Pirata a seu lado, com cabelos longos loiros e meio tipo espantalho, também não tinha aspecto melhor (e nem poderia com aquele olho caído). Eles olharam um pro outro, checaram o relógio, como se tivessem marcando ou cronometrando o tempo de viagem. Vimos uma risadinha sarcástica entre eles. 
Pirata colocou uma fita no toca-fitas, mandou todos fecharem os vidros, enquanto o carro seguia em disparada Conselheiro Aguiar afora cruzando o primeiro sinal vermelho sem parar, apenas buzinando loucamente. A musica dentro do carro era ensurdecedora e chamava-se Born To Be Alive.(nascer pra estar vivo) e fazia muito sucesso na época nas Boates da cidade. Sua letra era extremamente adequada pra o que iriamos passar nessa breve viagem até o Candelária. 
A física fazia seus efeitos e devido a aceleração do carro estávamos mais do que colados ao banco de couro legítimo do carro, os olhos arregalados, rostos lívidos de terror Alexandre segurava o braço de Marcone e esse o meu. Três vítimas da ocasião embarcaram numa roleta russa urbana ao lado de dois malucos coordenando um carro dos diabos que cruzava sem parar o que se dispusesse a ficar a sua frente.        
O som muito alto, aliado a escuridão do carro e aos reflexos das luzes dos postes iluminando periodicamente o interior da carro, nos dava a sensação de estarmos numa casa de terror ambulante, um trem fantasma. Os dois loucos conversavam aos berros no banco da frente mas o som era tão alto que não tinha como saber que conversa era essa. Víamos apenas que eles riam muito e de vez em quando olhavam pelo retrovisor. Era de nós, com certeza, que as risadas eram destinadas, aos três abestalhados aterrorizados que se encontravam encolhidos no banco de trás. A situação me fazia lembrar a risada endemoniada do inesquecível Jack Nicholson, no filme "O Iluminado", enquanto aos berros (Heres´s Jonnyyyyy)  arrebentava com um machado a porta do banheiro onde estava a mulher e filho escondidos.

Em 5 minutos estávamos no terminal de Boa Viagem agora ao som de "The End", do grupo The Doors, musica tema do filme Apocalipse Now.
Sobrevivemos ao “Born To be Alive” e imaginávamos que não chegaríamos ao “The End”  visto que a velocidade do Maverick aumentava a cada segundo, a cada curva, a cada reta.  
A situação piorou ao entrar na longa Avenida Bernardo Vieira de Melo. Dorinho estava completamente possuído pelo demônio do Iluminado e levava seu carro, com faróis de milhas usados em corridas noturnas, no limite da da velocidade. A buzina continuava seu trabalho, o twitter e auto-falantes internos jorravam agora as músicas da banda americana de rock Kiss continuando assim o ambiente infernal que íamos passando. Lembro que não fizemos qualquer comentários. Conversávamos com os olhos e o que víamos eram olhares assustados, de um lado e do outro, no banco traseiro, cientes do perigo que íamos passando a cada curva. Era mais do que uma aventura, seria o esporte radical dos anos 70 elevado ao cubo da loucura.  

Passamos como um raio pela curva do Sesc, última etapa da corrida maluca, e o ronco do v8 e o barulho do cano de escape esportivo deixavam um rastro de ondas sonoras que se propagavam por todos os cantos da avenida, dos becos, das casas, anunciando nossa presença. 

Quando o som acabava de mudar do Kiss pro Black Sabath vislumbramos o tão desejado Candelária. O carrão freou repentinamente   e agora sentimos o inverso da partida do Pina, minutos atrás, quando a física e sua aceleração havia nos empurrado pra dentro do banco de couro, e fomos jogados (não existia cinto de segurança na época) pra frente com os rostos nas costas dos bancos da frente. 
O louco do volante entrou pelo portão adentro do bar suavemente, mudou de semblante, seu rosto perdeu a tensão e o sorriso demoníaco transformou-se numa ar angelical. Pirata também relaxou, mas um dos olhos continuava semiaberto. 
Olhamos pro relógio e vimos que o tempo percorrido desde o Pina era de meros 10 minutos o que provavelmente seria um recorde mundial pra essas distâncias num ambiente urbano. 

Estacionamos num área grande de terra batida e grama, entre diversos coqueiros. Descemos, entramos na parte coberta do bar e escolhemos uma boa mesa já perto da janela que dava de frente pro mar. Constatamos o que era óbvio: havíamos chegado na frente de todos os outros amigos que haviam partido bem antes de nós. 
Pedimos cervejas e relaxamos. Aos poucos os demais foram chegando: Ajax, Andréa, Klênia, Waleska, Marçal Junior, Junior e mais alguns amigos. Passamos uma noite tranquila entre um papo e outro até alta madrugada, quando enfim pagamos a conta e nos preparamos pra fazer o sentido inverso, ou seja, voltar ao Pina. 
Dessa vez fomos mais espertos e rapidamente nos alojamos noutro carro, mais tranquilo, longe dos demônios do Iluminado e nem um pouco preocupado em bater recordes de velocidade.. 
Chegamos tranquilos, calmos, sem a física empurrando e jogando de encontro aos bancos, sem a roleta-russa nos sinas, sem os olhos injetados e esbugalhados de Dorinha, sem o olho caído de Pirata, sem aqueles sorrisos irônicos, sem carro esporte e chique e sem saber se chegaríamos ao destino. 

Voltamos num humilde fusquinha e chegamos são e salvos ao Pina. Lá continuamos na cerveja agora no bem conhecido Telhado Azul encerrando já quando o dia dava suas caras.


     

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