quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Alexandre e a frase do século ...



    A mais memorável frase dita durante todos os anos que passamos no Pina partiu de Alexandre, no início de 1981, cruzou inabalável o final do século 20, entrou no 21, e continua lembrada até hoje. Frase marcante, curta, sonora e que, por incrível que pareça, chocou uma família que já tinha visto de tudo na vida: a família Adams.

Em pouco tempo tudo foi arrumado: o local, o som, a bebida, a comida, e as demais variáveis que tornariam a festa possível. Tudo dentro dos padrões com exceção do lugar: esse sim, foi impensável, além do limite de qualquer imaginação, mesmo daquelas mentes mais desvairadas.      
Ficou acertado que a festa seria no apartamento da nossa amigas Monike. Para nós triste ideia, inglório destino. A sugestão partiu de Alexandre que num dia infeliz, tendo batido o "banzo" (a saudade dos negros escravos pela sua Africa natal) convenceu a todos que lá seria o ideal (talvez por ser bem perto da sua casa) pra uma noite vaga de opções. 
Além do local ser horrível (apertado, quente, ....) a presença de Monike seria um desfavor pra um dos nossos amigos, que num momento também de banzo, alguns meses atrás, tinha balançado a sociedade do Pina após ter "pedido em namoro" a jovem. O relacionamento durou uma breve semana e o seu fim, ao contraio do que se imaginava não foi o fim, e sim o início de uma lenda e da eterna dúvida: teria ele se aproveitado da garota, até onde foram as carícias, quem estava apaixonado por quem, de quem partiu a iniciativa do rompimento, teria valido a pena; Ah ! tantas perguntas, tão poucas respostas..              

Chegamos cedo. O apartamento ficava num imóvel térreo, tipo caixão, em plena avenida Conselheiro Aguiar, a poucos metros da padaria que hoje faz esquina com a rua Tomé Gibson.
Abrimos o portão (não tinha porteiro) atravessamos o minúsculo estacionamento, que servia pra dois carros, cruzamos um corredor lateral do lado direito até chegar no último apartamento do térreo. Lá batemos palmas, chamamos por Monike. Em pouco segundos a jovem apareceu, linda, leve e solta. 

Boa noiteeee queridos !

Boa noite, boa noite, boa noite e boa noite !!! - replicamos e já fomos entrando., 


Aos poucos os reduzidos convidados chegavam e rapidamente lotaram a pequenina sala. No centro foram retirados o tapete e um móvel de descansa copo, ficando apenas encostados na parede um sofá de três lugares (para apoio aos dançantes exaustos) e um toca-discos.
Alexandre, esperto para esses assuntos, percebeu que a cozinha estava bem ali, no seu nariz, ao lado da sua boca, e lá se plantou, lá se estabeleceu, garantindo assim o menor caminho para sua cerveja.

A noite tornou-se nublada, os cães uivavam errantes pelos arredores do Pina. O restante da família Adams acabava de chegar, liderado por Roberval e suas irmãs. Agora a festa estava completa. 

As cervejas passavam de copo em copo, de mão em mão, na vitrola as musicas variavam do forró a discoteca, da MPB a lenta internacional e por mais incrível que pareça a seleção era bem escolhida, animada e romântica. Mas essa última opção não era interesse de nenhum de nós. 

O calor era terrível, a sala era apertada e apenas uma janela gradeada ajudava a circulação do vento.

Vez ou outra Alexandre ia pra a "písta" de dança, rodava pra cá, rodava pra lá, vinha Monike, recusava, passava Fatiuska, corria pra longe, Socorrita aproximava-se, simulava uma ida ao banheiro, Conceicita piscava, fechava os olhos. Apenas Helena era colírio dos seus olhos e dos nossos também. Com ela dançávamos e nos divertíamos, com as outras só recusa.

- Pessoal, a cerveja foi para o espaço, vamos partir para a próxima etapa !!! - falou Alexandre noticiando a triste novidade.

Sem bebida e com os anfitriões que tínhamos, seria o fim-de-linha, o encontro teria que ser dado por encerrado, não tínhamos mais nada o que fazer ; era pegar o beco e partir pro bar Telhado Azul.    

Mas a estratégia já havia sido cuidadosamente preparada ainda durante a tarde quando da confirmação  da festa: Alexandre teve a estapafúrdia lembrança de uma inédita promoção no Bompreço da Avenida Domingos Ferreira, de uma garrafa de Vodka Natasha + garrafa de Whisky Drurys pelo preço de uma garrafa de Pitú. 
Trocados juntados, dinheiro arrecadado, e a compra foi confirmada.  

O Rei da Cerveja disse: 

- Fatiuskaaaaaaaa, traz nossa Vodka que essa é uma  ocasião é especial !!! 

- Vamos brindar a vida, tantas mulheres bonitas na sala merecem até muito mais do que isso ....

Comprovadamente já estava bêbado ..

A farra continuou agora ao som de Vodka Natasha. O sala virou um caldeirão: calor, barulho, música, ninguém se encontrava mais, todos perdidos na turba alucinada, Monike, Fatiuska, Conceicita e Socorrita, bailavam desvairadas, suadas, maquiagens borradas, mas muito animadas, enquanto nós enrolávamos um balanço, uma sacudida, circulando a sala sempre a uma prudente distância das jovens.

- A Vodka acabouuuu - berrou Alexandre ao perceber que o líquido branco das estepae estava no seu limite e  mais uma vez deu a ordem 

- Fatiuskaaaaaaaa, traz um whisky da casa !!!! 

A jovem prontamente atendeu e trouxe o terrível Drurys que não era da casa mas sim do Bompreço.

Nos anos 70 essa era a bebida da moda nos carnavais do clube Português. Carlinhos sabia seu efeito. Tantas noites perdidas na enfermaria do Clube, entre uma injeção de glicose e outra, inerte na maca, ouvindo ao longe as marchinhas de carnaval, o samba, o frevo ; esse era o seu lar, o seu habitat. 

Isso era o que se tinha, era o que iria se beber, e o whisky tornou-se o limite de fim de festa e assim foi até percebemos, trôpegos e exaustos que a sessão de terror estava se encerrando. Foi o fim mais feliz de festa que tivemos. Finalmente iríamos nos livrar do laço das herdeiras Adams e do calor insuportável que fazia na sala. A família Adams desapareceria da nossa frente..

Arrumadas e maquiadas as herdeiras da Família Adams já eram a imagem do apocalipse imaginem caros leitores como estavam após uma noite de calor, suadas, cansadas, sonolentas... 

Nos despedimos e corremos para a frente do prédio mas a família Adams nos seguiu até  a calçada onde lá voltamos a beber (até hoje não sabemos por que e nem qual era a bebida....). 

Alexandre, exausto e ébrio, sentou no muro do prédio e meio anestesiado iniciou uma desconexa conversa:

- E aí galera, foi legal mesmo a festa !!, valeu meninas, vocês estavam o máximooooo !!!

E foi caindo, caindo e caindo, ouvimos um barulho surd, e em seguida nosso amigo não estava mais no muro e sim do lado de dentro do  no jardim, deitado numa cama de areia e mato, entre o registro de água e um tronco resto de coqueiro; amortecido pelo álcool manteve-se inerte por apenas alguns segundos que foi o tempo suficiente para todos correrem para o acudir. 

Levantou-se com a ajuda de algumas da família Adams. Um cena deprimente numa noite dos diabos... 

A partir daí iniciou-se uma lamúria irritante por parte de Fatiuska, Monike, Conceicita e Socorrita, bem como da mãe anfitriã da festa. Frases como "Olha só o bichinho, tá pálido", "coitadinho, me dê sua mãozinha" , "venha tomar um copinho d´água !!", "leva ele no médico", ditas uma atrás da outra, sem suspiro, irritavam o nosso amigo que tropego, cambaleante, foi encostado no muro do lado de dentro do prédio.
A Ladainha da parentela continuava com frases irritantes de piedade, ajuda, conselhos, o que deixou Alexandre extremamente irritado. Percebendo, arrastamos rapidamente o corpo para a calçada e o jogamos no banco do carona do corcel de Carlinhos.

A familia Adams nos seguiu até a janela do carona e continuou com as recomendações..

O vento uivava na Conselheiro Aguiar, a madrugada dava as boas vindas, e os rostos das meninas Adams, com restos de batom, rouge, sombras nos olhos, suadas e cansadas, olheiras de alta noite,   na beira da janela foi o limite para a já esgotada paciência de Alexandre. Por instinto, numa reação imediata, reflexo animalesco, largou um insulto generalizado que hoje, juntamente com uma outra frase célebre ("Acho que vou pedir Monike em namoro") ainda ecoa nos nossos cansados ouvidos:

O amigo berrou a pleno pulmões com o punho cerrado, levantado, olhos vidrados e a cabeça escancarada para fora do carro:

- CARAIOOOOOOOOOOO  PARA TODO O MUUUUUUUUUNDOOOO  ......

O berro recocheteou pelas esquinas do Pina, assustando os cães vadios e os vagabundos perdidos, bem como toda a turma Adams, O boa noite de Alexandre foi uma surpresa para as donas da festa, pois até então o autor da aberração era tido por elas como um cara tranquilo, boa praça, digno de confiança e respeito e sem nenhuma incorreção que o desabonasse.

Não houve tempo nem de terminar o último "O" de "mundoooo" e nem repettir CARAIOOOOOO e Carlinhos já arrancava no seu Corcel, dando meia-volta na Conselheiro Aguiar, e retornando a toda velocidade em direção a rua Ondina, onde o berrante seria jogado na água fria.

Ao chegar em casa seu Zito, já percebendo e acostumado com o estado pós-farra do filho, apenas apontou a direção do banheiro: 

- Leve-o pra lá...

Jogamos o ser inerte na água gelada do chuveiro; o corpo ficou lá meio sentado, meio escorado na parede, meio pelado, meio vestido, perdido entre as doses de vodka e whisky. 

Anibal largou uma gracinha: 

- C@ DE BEBUM NÃO TEM DONO.

- C@ DE BEBUM NÃO TEM DONO.

O ex-Rei da Cerveja, protegendo sua honra, abriu um olho, escorou-se na parede e levantou os punhos em posição de defesa. 

 - NUM VEM NÃO QUE DOU PORRADAAA..... 

-  NUM VEM NÃO QUE DOU PORRADAAA......

Logo em seguida, segundos após armar-se, desarmou-se, e ali mesmo retornou ao sono dos desvalidos, dos bêbados e desenganados. Assim ficou e assim foi levado por seu Zito em direção ao quarto onde lá foi jogado na cama ainda forrada que um dia foi leito do também amigo Ajax no inesquecível dia da passagem do Papa João Paulo II.  

Os anos passaram-se e o vento do destino soprou para longe qualquer vestígio das meninas da troupe aloucada, do prédio caixão, e o que nos restou foi o eco da revolta do amigo Alexandre que até hoje nos faz lembrar a bendita noite..... 



   
Moradia onde desenrolou-se a festa do fim-do-mundo