quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A Mulher que virava macaca : Monga ou Monca, eis a questão...



    

  Os alienígenas iam chegando aos pouquinhos, devagarinho, na calada da noite, a medida que a lua de verão alargava seu rastro na deliciosa praia do Pina. 
No meio da terra batida e dos matos secos, entre o mar e avenida Boa Viagem, surgia a roda-gigante, o trem fantasma, o carrossel, o chicote, o barco-voador, as barraquinhas de tiro ao alvo, cervejas, algodão doce e maças carameladas, churros e demais comidas regionais.  
   
Esse era o costume todo o ano bem na frente da nossa casa, onde sem maiores explicações materializava-se um pequeno e humilde parque-de-diversão, típico de qualquer cidadezinha do interior. Era uma Excelente opção para os desocupados e os estudantes dependentes do crédito educativo, os quais sem muito a escolher para a noite, por motivos óbvios, ali sentava, lá se estabelecia, fazendo dessa forma o tempo passar. 



Foto tirada da nossa casa na avenida boa viagem: aos fundos a Roda-Gigante do Parque e atrás desse a praia do Pina.



Assim era e assim fazíamos: eu, Alexandre, Carlinhos e Aníbal estávamos lá, de corpo e alma. Chegávamos no início da noite, escolhíamos uma barraquinha qualquer, com o gesto tradicional (dedo indicador levantado) Alexandre pedia uma cerveja e a partir daí era só papo, renovávamos as novidades do dia, dos jogos na praia, do frescobol, dos filmes no São Luiz e Veneza, das noites de farras nas boates, do aeroclube, etc.
Nas mesinhas, em frente ao mar, cervejas ao vento, um assunto era recorrente e ainda gerava acalorados discussões: o triste dia que um dos nossos tomou a destrambelhada iniciativa de "pedir em namoro" a mais desinteressante menina das redondezas. Decisão infeliz, influenciada em muito pelos tragos de "cuba-libre" numa boate em Candeias, que o fez perder a noção do que é racional e finalmente se comprometer num namoro que o marcaria pelo resto da vida.

Monike não era bonita, era bem dizer "feinha" , mas isso não seria o problema (a beleza está no coração de quem ver) se pelo menos fosse divertida ou até mesmo sensual, ou quem sabe ser bem resolvida sexualmente, e em última opção tivesse recursos financeiros que permitissem nosso amigo se beneficiar de belos jantares, entrada grátis em boates chiques, carro do ano, etc. Mas desafortunadamente nada disso era verdade ...

Enfim, ele rompeu barreiras e manteve o romance por intermináveis quinze dias...

Numa daquelas noites enluaradas fomos ao dito parque, escolhemos uma mesinha qualquer, numa das várias que circundavam a área destinada aos ociosos, e lá as cervejas foram saindo, uma atrás da outra; Alexandre e Carlinhos bebendo desvairadamente e eu e Aníbal na retaguarda, controlando os pedidos, avaliando os riscos, procurando minimizar os gastos  numa noite que poderia se estender por um bom tempo, sem dúvida, até que a gestão do parque desse por encerradas as atividades, pois do nosso lado ninguém sairia da mesa tão cedo..... 

  O assunto Monike estava em moda então quando o auto-falante do parque fez o maior carnaval anunciando a próxima atração, prestamos atenção e imediatamente um dos nossos, o envolvido no rumoroso caso amoroso, levantou as orelhas, ficou alerta, e retornou saudoso aos velhos tempos de passeios na pista de patinação do Pina, entre mão dadas, beijos ardentes, e juras eternas de amor.


- Atenção, atenção, preparem-se, ela está chegando, é perigosa, é perigosa ...

- Olham lá, olhem lá, Monga veio direto da Africa para a praia do Pina ...

- Cuidado, Monga a mulher que vira macaca vai se apresentar em breve..

- Não percam, a maior atração da noite, o grande espetaculo da terra, adquiram já seus ingressos antes que se esgotem ...


Substituindo o "G" pelo "C" a macaca virava o apelido carinhoso da ex-namorada do nosso amigo. Simples joguinho de letra, ou simples ironia do destino, não sabemos ; quem sabe o sexo dos anjos ?!. 
Prometemos ao nosso amigo que a coincidência não iria estragar nossa noite. Cobraríamos no couro da macaca as duas semanas de martírio amoroso, usaríamos ferro e fogo, e a símia sem saber o porque receberia o que bem merecia. Mexeu com amigo, buliu conosco.....

Corremos pra bilheteria e compramos os ingressos. Não lembro se usamos nossas carteiras de estudantes ou até mesmo nosso crachá do recenseamento (eu e Alexandre estávamos nessa de corpo e alma - pelo quatro cantos do Bode e Encanta Moça) só sei que de ingressos nas mãos voltamos à mesa e continuamos no papo, e na cerveja  gelada, enquanto a sósia da Monca vestia-se para o espetáculo.

A hora chegou e corremos para a barraca destinada ao evento. Entramos num quartinho mínimo de terra batida de praia e matos rasteiros (restos de urtigas, palhas de coqueiros, folhas de arruda, etc) e cadeiras de plástico espalhadas por todo o cubículo com o objetivo de assentar quem chegasse primeiro. 
Telhas de zinco cobriam o teto e apesar da brisa da praia o calor tomava conta pois não existiam janelas ou qualquer buraco de onde viesse um suspiro da natureza, tendo apenas uma porta na frente pra o público e outra por trás pra as atrizes do evento. 
Os ingresso foram vendidos além da conta por isso ficamos na parte de trás, sem cadeiras, em pé, típica geral do antigo maracanã. Depois de inúmeras cervejas isso não fazia a menor diferença, nosso objetivo seria vingar o amigo. A macaca iria ver com quantos paus se fazia uma jaula.
Uma "voz do além", o locutor, ia explicando tintin-por-tintin a origem da macaca, que era perigosa, que vinha do Congo belga, bem no coração da Africa selvagem e desconhecida, e quem tivesse problemas cardíacos se segurasse ou se retirasse da sala;  o negócio não era pra os fracos. 
O ambiente em meia luz, a voz rouca do locutor repetindo a mesma cantiga, o calor, o cheiro nada agradável do suado público que superlotava a sala, tudo isso contribuía para uma recepção de boas vindas ao avesso à humilde jovem fantasiada de chimpanzé.

Os tambores rimbombaram a voz do além subiu de tom e as luzes da plateia diminuíram ficando apenas um breve clarão exatamente onde estava a cortina do palco. 

- afastam-se do palco, muito cuidado nessa hora, ela é sensível, a transformação exige concentração - continuava a ladainha do narrador

De repente a cortina desceu e de dentro da jaula apareceu uma mulher jovem, cabelo baixo, pele clara, de biquini bem comportado, dançando e muito tranquila. A luz focou nela e o narrador continuava com o seu sub-espetáculo, numa ladainha dos infernos, lembrando que a beleza transformaria-se em fera brevemente. 

A música ia tocando e o narrador trabalhando...  

A galera que ja estava impaciente, devido a espera e as condições do ambiente, começou a falar mais alto, se mexer, cutucar o do lado, rir do cenário ridículo que não provocava qualquer suspense ; comedia sim, terror não, eis o que víamos. 

Os efeitos especiais eram feitos com um vidro que ficava no meio de um caixa de madeira em L.  As duas mulheres (a de biquini e a macaca fantasiada) ficavam em cada ponta do L. Uma luz refletia no palco a imagem da primeira mulher e enquanto essa luz ia se apagando a outra luz refletia a imagem da macaca sobrepondo a dançarina e aí continuava até a original desaparecer. Física ótica, simples, simples !  



Resultado de imagem para o truque da mulher que vira macaco



Os primeiros gritos apareceram:


- UHUUUUU !!!  Gostosa, senta no meu colo, tira o biquini, vem comer no meu prato ....

- UHHHHHH !!!!! 


Mais gritos quando os reflexos fizeram efeito e os pelos começaram a surgir na dançarina:


- UHUUUUU !!!! sai dai quenga, volta pra africa, vem pegar minha banana ...

- Compra uma gilete, raspa esses pentelhos ...

- UHUUUUUU !!!!!



     Resultado de imagem para mulher que vira macaca 



E aí acompanhamos a platéia :  

- Fica aí Monike, teu lugar é na jaula mesmo !!!

- Mãozinha ralante, rosto de lixa, linguinha de ralar pregoooooo

- UHUUUUUUU !!!!  

Nosso amigo fez cara feia ... 

Alguns meses atrás, durante dias de sofrimento, nosso amigo foi apartado do grupo por Monike, entre abraços e beijos no sofá curtindo o Fantástico, e finalmente em alto estilo na pista de patins, manteve um relacionamento que só tinha um justo fim, o fracasso. Dito cumprido. Em poucos dias e após fogo serrado do grupo, pressão diária, o feitiço foi desfeito e o casal separou-se por encanto. Motivos ninguém soube, nem nos foi revelado por ele. Mas isso era o que bastava, no fim de tudo, finalmente nosso amigo voltava ao convívio dos seus parceiros. 

A gritaria aumentou quando a mulher virou macaca, a física ótica fez seu trabalho e a chita começou a balançar a grade e urrar, junto com o narrador que continuava com seu discurso animalesco. 
A símia esmurrou o peito seguidamente e de repente abriu a grade simulando uma fuga platéia adentro. 

O narrador gritava:

- Ela fugiu, corram que é perigosaaaa, ela arranca o couro de um .. 

- UHUUUUUUUUU 


A plateia urrava:

- Peguem a Monga, peguem a Monga

- Vamos arrancar uma lasca de couro dela


- UHUUUUUUUUU  



Alguém redefiniu:

- Peguem a Monca, peguem a Monca

- Peguem a Monike, peguem a Monike.


O caro amigo não gostou do trocadilho e replicou:


- Peguem por@a nenhuma, só quem pegou foi euuuuuu .... 


A gritaria continuava..  

A ideia da fuga da jaula não foi adequada ; infeliz roteiro de filme classe "b". Do público os gritos aumentaram, mas não de medo e sim de gozação, mãos em punho ameaçavam, copos voavam com restos de cerveja, sementes de carrapateiras, bolinhas de papel, caixa de fósforo empacotadas com areia, galhos de urtiga, todos os recursos da natureza eram usados contra a nativa. 
A Monga assustou-se, fechou a grade e desembestou-se palco adentro, praia afora, mar aberto, no imenso oceano nadando em direção leste, sempre a direita, em busca do sol nascente. 
As luzes se acenderam mas a turba endemoniada continuou com os gritos, bolinhas de sementes ainda voavam para o palco,  até que a voz do além deu por encerrada a ridícula apresentação. 
Era a última atração da noite, o último evento do parque, e para retornar a cerveja tivemos que atravessar a avenida boa viagem e ir ao encontro do Edis Bar, onde la terminamos de lavar a alma e a honra do nosso amigo.  

Deste dia em diante não vimos mais Monga, nem Monca, nem o parque-de-diversão, tudo esfumaçou-se com a ajuda do implacável tempo que soprou pra longe nossas lembranças aqui registradas.