sexta-feira, 18 de maio de 2012

Minhas queridas amigas de trabalho - O barato que saiu caro

  

  Maxmiliano e Camélia, muitos anos atrás, migraram para o sul do país, saindo da caatinga nordestina, após passar num disputadíssimo concurso para trabalhar numa grande multinacional responsável pela comercialização de alpercatas de couro.
  Depois de muitos anos no serrado, trabalhando na próspera casa de vendas de alpercatas, o casal de retirantes decidiu voltar ao nordeste e para isso inscreveram-se em outro concurso público e, como eram bem preparados, passaram novamente sem dificuldades. O novo local de trabalho era numa das cidades mais desenvolvidas do país, localizada no Nordeste mas não no sertão e sim num lindo litoral, com vegetação luxuriante de palmeiras e coqueiros e praias com águas mornas e brisa suave. Sendo a primeira em tudo a cidade esbanjava modernidade. O novo emprego era numa empresa concorrente das alpercatas, responsável pela comercialização de chapeus de couro. 
  Maxmiliano sabia que seria um choque para Camélia, sua cabecinha tinha dado uma guinada de 480º saindo da caatinga para o serrado e agora de volta para uma metrópole nordestina. Ela imaginou que voltando para a região encontraria com facilidade os prazeres da sua juventude, passados no bravio sertão paraibano.
 Chegaram de mala e cuia na cidade grande; ele consciente, ela completamente perdida no espaço e no tempo. Ao chegar, por uma incrível coincidência, a retirante encontrou no seu novo emprego uma colega, Alexcleide; desenvolta, instruída, culta ao extremo, frequentadora assídua da maior livraria da cidade (apenas frequentadora...pois não comprava nada), e reconhecidamente  especilista em lugares baratos e exóticos: ela conhecia casas de massagens indianas, reflexologia caribenha, podologia grega, Aiuvérdica Kama-Sutra, escovinha sudanesa, pintura de cabelo e afins.
  Em relação a comida, Alexcleide esbanjava também excentricidade, ninguém sabe como mas conhecia, nos quatro cantos da cidade, locais com preços acessíveis . A palavra barato fazia parte, mais do que o comum, do seu dicionário. Seu lema de vida era  "é barato e diferente; é comigo". Enfim, essa era a nova amiga de Camélia; 
  Já no primeiro dia de trabalho Camélia foi informada, pela sua nova amiga, da existência de uma casa de depilação barata, novamente a palavra favorita; "barata", e moderna, que utilizava uma nova tecnologia de cera; cera essa fabricada a partir de couro de calango, originado do deserto paraibano. Camélia se informou  de como chegar ao local após uma breve explicação de sua amiga. A marotona teve início na manhã seguinte. A retirante colocou seu protetor solar, sua alpercata, sua calça de couro cor de burro quando foge, e partiu rumo a 8ª maravilha do mundo, depilação sem dor; bem, pelo menos era isso que ela esperava....
  Quando chegou ao local, seguindo instruções de sua amiga, imaginou que não poderia ser onde estava, a casa de depilação não tinha aparência dessa funcionalidade  mas sim de uma casa de rinha de galo. Corajosa, criada no sertão, acostumada aos desafios da vida, topou a parada e subiu os degraus, em forma de caracol, da escada de madeira vencida. Subiu dois andares, atravessou um corredor obscuro e tenebroso, ladeado por quartos onde, de dentro, escutava-se barulhos esquisitos de mulheres gemendo, e chegou ao destino: quarto 33, sotão nº 66; esse era o local.
 Por incrível que pareça ao abrir a porta observou que o local era charmoso, moderno, bonito: totalmente diferente do tinha visto até o momento. Entrou na sala de espera e já gostou de cara; a recepção era chique e a atendente educada e atenciosa. Reparou, inclusive, que algumas pessoas, vestindo farda, estavam falando numa língua que ela não soube precisar exatamente qual era mais desconfiava de alemão mas com um forte sotaque sertanejo. Esperou alguns minutos e foi chamada pela atendente que mostrou o menu, ou melhor, a lista de opções de depilação: escolheu a opção sugerida, é claro, por Alexcleide. Não precisamos dizer que foi a opção mais barata: "depilação sem dor a moda da casa". 
   Depois de um certo tempo de espera Camélia foi chamada a sala de depilação onde uma senhora alta, forte e muito séria a atendeu. A funcionária se apresentou como Sabrina e disse que era natural da Alemanha da cidade de Treblinka (onde instalou-se um dos vários campos de concetração Nazista..), mas devido a 2º guerra mundial tinha se refugiado no Brasil, na cidade de Carrapeteiras, interior da Paraíba. Essa era depiladora que trataria de Camélia.  
  Foi dado início aos trabalhos: a alemã posicionou-se e gritou "wift die horse fühlen" e tradizindo para sertanês disse agora el língua inteligível: "sente-se, arlevante as carças e amostre as canelas". Camélia, sentou-se e obedeceu prontamente. Em segundos a carcereira germânica chegou com uma tijela de barro fumejante com a calda de calango ardendo em brasa. Não deu nem tempo de Camélia sentir medo; a germânica-sertaneja lascou um 1º naco de cera na sua canela, esperou 5 segundos e retirou com a mesma velocidade que colocou ; Camélia gritou: aiai mainha !!! ; não teve nem tempo de chorar pois um segundo naco de cera foi colocado e tirado da mesma forma; dessa vez Camélia deu um berro aiaiaiaia mainhaaaa uiuiuiu meu padim ciçoooo...; a carceireira gritou - "macht unsinn einer fraun" - em sertanês - deixa de patim muié ; para concluir, a torturadora fantasiada de depiladora lascou o terceiro e último pedaço de larva de vulcão; a retirante deu um berro aterrador ::uauauauauauauauauaua mainhaaaaaaaa padim ciçoooooooooo virgi mariaaaaaaaaaa uauauauauauaua;  nesse instante usou suas forças restante para dar uma bofetada no cangote da alemã e sebo nas canelas, desembestou em disparada fugindo do centro de tortura.
  Suas canelas estavam que nem pimenta malagueta.....atravessou o corredor capengando, já nesse momento infestado de clientes, em visita aos quartos suspeitos, desceu as escadas em forma de caracol e pegou o beco pela rua afora, rastejando-se que nem calango acertado com tiro de badoque; chegou em casa aos prantos e tascou suas canelas numa tijela de barro com água fria.....passou a noite em delírio .....
    No outro dia Camélia chegou ao emprego e procurou sua amiga, aquela mesma,  "o docinho de coco em pessoa", Alexcieede que sugeriu a casa de tortura, ou melhor, casa de depilação. Por incrível que pareça sua amiga tinha desaparecido, pedido transferência para "outros ares", com uma ideia fixa em mente: montar uma franquia da casa de depilação  Por outro lado, Camélia, depois de muito trabalho da terapeuta ocupacional da empresa, chamada Niroka, e conhecida pelas suas técnicas bem sucedidas de "êxtase sexual cósmica", conseguiu com muito esforço voltar ao trabalho, mas nunca, jamais, de saia ou similares, sempre de calça-comprida...... 
  

              

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Minhas queridas amigas de trabalho : Lula e Nostradamus





  Ana Claudete andava em desespero cibernético. Era Outubro de 2001 e o mundo ainda estava em transe em virtude dos ataques de 11 de Setembro que fizeram desaparecer do mapa o símbolo do capitalismo norte americano: as torres gêmeas do World Trade Center localizadas ao sul de Manhattan em Nova York. 
  Sua caixa postal estava cheia de emails que relatavam todo tipo de conspiração, alguns diziam que o ataque era obra da CIA em comum acordo com o próprio Presidente George Bush que gostaria assim de justificar um ataque ao Iraque, outros alertavam do prenuncio do fim do mundo que ocorreria em 2012, quando o planeta Nibiru se chocaria com a Terra (previsão dos Maias), ideia tresloucada ratificado por gente mais maluca ainda, do seu trabalho, e outras aberrações semelhantes... 
  Em paralelo o Brasil vivia uma febre política sem igual; um retirante nordestino que saiu ainda criança do interior de Pernambuco, mais precisamente do município de Caetés, Garanhuns, havia se tornado sindicalista em São Paulo, fundado o Partido dos Trabalhadores, participado de três eleições presidenciais pelo seu partido, perdido todas as três, agora entrava para as eleições de 2002 com força total e nesse Outubro de 2001 já se previa uma disputa acirrada. O retirante trabalhista , mudou seu perfil, virou "Lulinha Paz e Amor" e já era o favorito para o sucessão de Fernando Henrique Cardoso. A ideia de Lulinha ganhar a eleição deixava Ana apreensiva imaginando reformas agrárias radicais (as vastas terras de seus pais em Alagoas seriam encampadas pelo novo Governo), seguindo os mesmos objetivos da revolução sovietica de 1917.
  Claudete tinha migrado do interior de Alagoas, da caatinga nordestina, precisamente da cidade de Coruripe, e  assuntos cosmopolitas tais quais, terrorismo, guerras, disputas internacionais, a deixavam completamente desnorteada; para relaxar de tamanho bombardeio de informação, toda sexta-feira, na companhia de seu amigo de trabalho Pedro Paulo, caminhava durante 1 hora debaixo de sol causticante, com o objetivo de  comprar uma passagem de ônibus para passar o fim-de-semana com os conterrâneos na ex-colônia pernambucana.  
  Nesse quadro de agitação política e social, Ana recebeu mais um email que dessa vez a deixou completamente desconcertada. O email descrevia uma profecia, até então desconhecida, do famoso visionário  Nostradamus (Provence-França,1503-1556), onde dava a entender que a eleição do "Lulinha Paz e Amor" tinha sido prevista desde a idade média. O texto dizia o seguinte:

"No país verde onde por tudo se brinca e se ri, uma onda vermelha estrelada se manterá de pé durante 72 anos, florescendo paz e prosperidade, seguindo assim semelhante tempo de usufruto de seus irmãos do oriente do grande país do gelo e das estepes".
 "Nesse mesmo país verde, onde as florestas são abundandes, seu imperador, seguindo a ordem vermelha, levará todos a fartura, sendo cópia para seus irmãos do lado esquerdo e direito das grandes águas salgadas".
"O bárbaro imperador do verde país, com sua grisalha barba, antes de negro oriente, seguirá, após 13 sequencias de anos, o caminho dos viveres fartos. A onda seguirá elevada por tempos iguais dos irmãos distantes, quando após isso, o destino guardará seu caminho".
"O imperador com nome de ser vivo de água salgada, que se delicia com a água que arde, seguirá sereno e prospero pelo tempo de uma vida".

  Em  desespero Claudete ligou para seu amigo Pedro, que trabalhava na área de computação da empresa, questionando a veracidade do texto do medico e alquimista francês. Seu amigo percebendo que a querida amiga estava apavorada disse o seguinte:  "é claro que é verdade, olhe lá, a revolução soviética começou em 1917 e durou 72 anos, em 1989 caiu o muro de Berlim e todo império foi por água abaixo. essa é a onda vermelha estrelada do Partido dos Trabalhadores (PT) que o Brasil seguirá também por 72 anos..".
Ana ficou apreeensiva mais não se deixou derrotar e já nervosa questionou: "sim, e essas 13 sequencias de anos, que P$%#*& é essa ? "; Pedro, parecendo já conhecer toda a novela, olhou para sua amiga AlexCleide, que trabalhava a seu lado, e que parecia também já conhecer o texto, e disse: "o muro de Berlim caiu em 1989 junto com todo o império da União Soviética; 1989 + 13 = 2002. Nossa próxima eleição será nesse ano e Lulinha vai ganhar e com certeza efetuará uma reforma agrária radical ...."
Claudete, emitiu um "Ai meu Deus do ceuuu !!! ", e já apavorada de verdade (lembrou-se dos latinfundios de sua parentela de alagoas) veio com um : "Que MER$%#@&* é essa de  ser vivo de água salgada que se delicia com água que arde ???". Alexcleide riu discretamente e Pedro continuou: "Cê num sabe menina, Lula é o parente marítimo do polvo, Lula também é o nosso companheiro quase que eleito, então bateu né ?!, e completou, "quanto a estória de água que arde sabemos que o companheiro quase eleito de vez enquando toma umas pinguinhas (Pitu, 51, etc) para relaxar nos fins-de-semana, lembrando assim, com muita saudade seus tempos de caatinga nordestina."
Ana releu o texto e ainda teve forças para um último questionamento: "grisalha barba e antes de negro oriente ??!! não entendi nadica de nada ??!!". Desa vez Alexcleide pegou o telefone de Pedro e colocou mais fantasia na já esdruxula estória  : "Nosso Lula tem barba preta, semelhante ao revolucionário Fidel Castro", misturando assim completamente o assunto, Russia com Cuba, leste europeu com America Central, e completou dizendo que "Nostradamus visualizou Lula entrando no Governo de barba preta e depois de 13 anos, cansado de tanto trabalho e stress, sua barba estaria branca que nem papai noel".  
  Foi o fim, Claudete pegou no tranco e com os olhos esbugalhados nas órbitas, gritou: " Ai..ai..ai..mainha, painho, nossas terrinhas ..o lula vai engolir tudo !!!!"...largou o telefone, deu um pulo da cadeira, pegou sua passagem para Coruripe e partiu desembestada pronta para lutar pelo "palmo de terra que lhe pertencia".........






sexta-feira, 11 de maio de 2012

Minhas queridas amigas de trabalho : Torrada na praia.


Saiu uma reportagem na semana passada, num Jornal sensacionalista da terrinha, com o singelo título:

"Mulher Paraibana, recém chegada à capital Pernambucana, vira bife-a-milanesa na praia de Boa Viagem, após tostar frente-e-costa durante 5 horas ininterruptas".

"As testemunhas (dois vendedores de amendoim que não quiseram se identificar) relataram que a jovem simplesmente dormiu na areia, enquanto seus filhos pequenos se deliciavam nas piscinas naturais da praia e o marido tomava uma cerveja gelada junto ao cunhado, acordando horas depois com o corpo torrado que nem castanha do Pará. Seus filhos, aos gritos, despertaram a atenção de todos. Os meninos berravam: "papai, papai, mainha parece um bife-a-milanesa torrado"..... A vítima foi levada à UPA mais próxima para os primeiros socorros, onde o médico recém acordado do seu plantão, devido a falta de medicamentos, optou passar na vítima a milagrosa pomada Ipoglós, muito utilizada em assaduras de crianças, por todo o corpo da bife-a-milanesa. A jovem foi levada para casa ainda delirando e, segundo o apurado pela reporter responsável, de plantão na frente da casa da pimenta humana, à noite já embarcava com um cheiro insurpotável de Ipoglós, que insensou todo o avião, para uma viagem à negócios no sul do país.
Conforme ainda apurado pela reporter de plantão a vítima chama-se Carmelinda e é originária de Carrapateira, localizada em plena caatinga da Paraíba. Fugindo da seca, migrou 11 anos atrás para a capital Federal voltando ao Nordeste no ano passado, na esperança de estabelecer uma pequena empresa (descobriu-se ser  uma casa de depilação e pintura de cabelo) na capital Pernambucana.  Seu marido, que teve seu nome revelado por um dos vendedores de amendoim, chama-se Manoel Maximiliano, sem profissão definida, também natural de Carrapateira, e já a duas semanas em busca de um ponto comercial para o empreendimento da esposa recém-torrada. Conformou apurou-se nas últimas horas o local escolhida fica no centro da cidade, bem perto da principal agência de Correios, facilidade essencial para que os retirantes troquem correspondências com seus conterrâneos paraibanos....."  

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Renato Russo e Monte Castelo.

  A letra da belíssima música  Monte Castelo de autoria de Renato Russo é muito interessante. Seu texto foi formatado da seguinte maneira: Livro do amor (1 corintios 13 - Novo testamento - Biblia) + soneto 11 de Camões + talento de Renato Russo. O resultado maravilhoso gerou a mais bonita musica, pelo menos essa é a minha opinião, do poeta do Legião Urbana.
Abaixo vai a letra e trechos de Camões e do corintios e depois a letra da música:

1 Coríntios 13

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.


Soneto 11 - Camões

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?


Monte Castelo - Legião Urbana

Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.
É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal,
Não sente inveja ou se envaidece.
O amor é o fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria.
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder.
É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É um ter com quem nos mata a lealdade.
Tão contrário a si é o mesmo amor.
Estou acordado e todos dormem.
Todos dormem. Todos dormem.
Agora vejo em parte,
Mas então veremos face a face.
É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade.
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Crônicas do Pina : Acho que vou pedir Monike em namoro !!!



Como tudo começou.   

  Conhecemos a "Família Adams" em 1978,  numa sexta-feira treze, em plena noite fria e nublada de lua cheia. O vento uivava juntamente com os cachorros errantes que vagabundeavam, a espreita de alimentos, pelos becos perdidos do Pina. 

A dita família residia num dos mais antigos edifícios da avenida Boa Viagem, o Jangadeiro, e por infeliz coincidência vizinho de onde morávamos. Essa foi a primeiro território que conhecemos porém em questão de meses eles saíram pingando pela avenida, como ciganos, passaram a morar no Edifício Caiçara, logo depois veio o Oceania, em seguida para o Beira Mar e finalmente para o edifício Mar del Plata, sendo esse o último esconderijo que tivemos conhecimento da trupe aloucada. Após isso eles simplesmente esfumaçaram-se no espaço e não os vimos mais. 



Edifício Caiçara (uma das moradias Adams)

                                    
Meu tio Breno tinha um apartamento no Jangadeiro e conhecia o patriarca da família, o avô Adams, Zé Custoso. que morava no mesmo prédio. Até hoje não sabemos quem apresentou quem mas o que sei é que por obra e graças do destino terminamos conhecendo o neto do patriarca, Roberval, e a partir desse momento fomos apresentados uma-a-uma às suas irmãs e primas alvos desse conto. 

O romance de um dos nossos amigos com uma das herdeiras começou aí ....  

Roberval morava com seu avô, sua mãe e as irmãs Telma, Conchita e Socorrita, respectivamente por ordem de idade. A mais velha era muito bonita, de corpo perfeito, morena clara, rosto ovalado, olhos levemente puxados, cabelos pretos soltos e ondulados chegando aos ombros, Alexandre nos alertou da sua beleza ao vê-la na praia caminhando num belo dia ensolarado de domingo. Fomos conferir e imediatamente a elegemos nossa "Garota do Pina". 
Infelizmente o destino não nos presentou com a sua amizade, visto que ela era casada, e o que nos sobrou foram as duas mais novas que desafortunadamente tinham o DNA inverso da mais velha. Ao sermos apresentados "ao resto" nos deu a oportunidade de conhecer pelo mesmo meio (Roberval) mais duas da mesma família, as suas primas Monike e Fantine, e que tinham infelizmente também o mesmo DNA predominante da família.    
Por falta de opção mesmo, nada mais do que isso, passamos a sair com as quatro, juntamente com Roberval, pra algumas boates da região e até mesmo festinhas na casa de um e de outro. 

No início não percebemos nada mas com a convivência observamos que um dos nossos amigos, exatamente aquele que tinha se esbaldado na noite do Aeroclube dançando com a amiga da empregada da casa dos  Vellozo, foi enfeitiçado pelos encantos de uma das familiares Adams, a Monike. Mas ficou apenas nisso (uma leve percepção) e continuamos a conviver sofrivelmente com as jovens durante todo o ano até que tudo se consumou na triste noite na boate Malibu.  



Na Boate.

Numa manhã chuvosa de sábado onde se previa lua cheia, muito vento e cachorros uivando pelas esquinas do bairro decidimos, novamente desafortunadamente, passar uma noite na boate Malibu juntamente com Roberval e sua parentela.

A noite juntamos todos e saímos em dois carros: Carlinhos no seu Corcel conosco e Roberval no seu fusca azul com toda a família Adams. As bichinhas, apesar do DNA, estavam todas muito bem arrumadinhas, maquiladas, cabelos com luzes e meias soquetes coloridas, tudo combinando com a moda da época onde as boates foram transformadas em discotecas, seguindo assim a febre que tomou conta após o lançamento do filme "Os Embalos de Sábado a Noite".. 

Passamos no apartamento das meninas e Roberval lá estava a nos aguardar. Nem paramos, com um sinal de luz apenas avisamos que estávamos chegando, e continuamos a marcha rumo a boate. O fusca azul e sua trupe de fim do mundo nos seguiu.   

Ao chegar a boate o negocio começou a perder o rumo exatamente quando descemos do carro e nos encontramos com Roberval e sua família; apesar de já conhecermos sua parentela direta, as irmãs, só tínhamos visto as primas Monike e Fantine por breves apresentações em dia já esquecido por isso Roberval nos reapresentou e foi aí que tivemos material pra esse conto e pra mais várias gerações futuras.        

Notamos qualquer coisa de estranho no brilho dos olhos de um dos nossos amigos, o Don Juan do Pina, o galanteador de domésticas da Aeroclube, quando apertou as mãos e deu um cheirinho de um lado e outro na Monike  O eterno romântico talvez tenha pensado com seus botões os versos do nosso grande Tom Jobim - "Quando a lus dos olhos seus e a luz dos olhos meus resolvem se encontrar". 
Sim, foi um encontro de almas gêmeas, uma troca de energias afins, o encaixe perfeito de dois seres que não se encontravam por acaso (isso não existe) mas por uma singela conspiração e sincronia do universo.  

Pesarosos e apreensivos tomamos lugar na nossa mesa, tendo noutra mesa ao lado Roberval e sua turma, pedimos nosso rum com coca e iniciamos a única coisa que poderíamos fazer nessa noite: beber e assim a noite foi se passando...   

Inúmeros sucessos da disco dance passavam no toca-fitas da boate (na época não existia ainda o famoso DJ), bebíamos e circulávamos pela pista de dança sem maiores compromissos. A família Adams esbaldava-se em felicidade. As meninas dançavam como nunca na vida o que era muito justo e compreensível pois jamais tinham recebido um convite de rapazes do nosso nível, estudantes universitários, simpáticos, inteligentes e de boa família.      

De repente acabou-se o balanço e o toca-fitas passou pra uma seleção das melhores baladas do momento. Músicas pra os casais enamorados ou os que estavam prestes a isso. Foi aí que tudo começou a dar errado pro nosso grupo: nosso galanteador não esperou nem o suspiro inicial dos Bee Gees, que iniciava How Deep is your love, e correu pro lado da família Adams, na direção de Monike e desafortunadamente a convidou pra dançar. Ela aceitou e o que vimos daí então foi um cenário pra filme de terror: 

Sua maquilagem já tinha se exaurido com o suor de horas dançando, o rosto era uma grande mancha branca e vermelha proveniente do que um momento foi uma pintura preparada as pressas e sem qualquer prática. Seu cabelo já não tinha mais penteado e sim uma desarrumação. Eis o DNA da família Adams na sua plenitude, às nossas vistas, e foi assim que a noite nos deu esse presente de grego.  
A bebida, o ambiente escurinho, a música, somados a afinidade que os dois sentiam um pelo outro guiaram o casal de enamorados por um mundo de fantasias e sonhos. De longe víamos a jovem de olhos fechados, com leve sorriso, abraçar seu parceiro pra mais junto e entrelaçados entre si, como cobras, flutuarem pelo salão, leves, felizes, cientes da sua felicidade e sabendo que ali eles eram os protagonistas, as estrelas da noite.

Depois de esgotado todo o repertório romântico da boate o casal (agora enamorados) retornaram à mesa, exaustos, de mãos dadas, ela com olhos que brilhavam, lábios semiabertos em êxtase, ele orgulhoso como macho alfa ciente da sua infinta capacidade de encantar a mais inimaginável das garotas (inclusive as do Aeroclube). 
Minutos depois ele nos chamou num cantinho separado e nos confidenciou que estava muito empolgado com a menina. Achou-a bonita, simpática, sensual, gostou do seu perfume, sentiu a "maciez" da textura das suas mãos, provou a "suavidade" da sua língua (isso indicava que ocorreu beijos ardentes) e então nada mais poderia esperar senão formalizar o que era seu desejo reprimido desde que a conheceu. Foi aí que ouvimos uma das frases mais marcantes desse século 20. 

- Acho que vou pedir Monike em namoro. 

Ele não estava bêbado, não era seu costume, bebia muito pouco, presumimos o que levou nosso amigo a essa decisão sem sentido foi uma característica marcante e curiosa da sua personalidade que poderíamos chamar de distorção de realidade, que transformava o feio no bonito e vice-versa. Em resumo, pra seus olhos, Monike tinha o mesmo DNA que sua prima Telma. 

Ponderemos, argumentamos, insistimos mas nada feito, o jovem bateu os pés disposto a ter uma namorada a qualquer preço. Assim foi feito e em dado momento não registrado por nós formalizou o relacionamento e embarcou numa viagem inglória em busca dos segredos da Monike.
Saímos da boate tristes belo destino do nosso amigo. A última imagem da noite que tivemos foi vê-lo, do nosso carro,  no banco traseiro do fusca de Roberval com os braços por cima do ombro da sua nova companheira em pose de recém casados.    
          
    


Passeio de patins.      


O namoro foi um fracasso retumbante, pois durou apenas míseros e sofríveis sete dias: do sábado à noite na boate até a noite do outro domingo. Nesse período nosso amigo se enfurnou diariamente na casa da jovem, conheceu sua família, seus hábitos, suas manias, sua intimidade, mandou e desmandou, era o chefe do pedaço. Soubemos que Monike estava extremamente empolgada e que não saia mais de casa. Seu dia-a-dia era aguardá-lo no portão e entre beijos e abraços fazia-o conhecer o que até então ninguém tinha feito, sua magia, seu coração, sua paixão reprimida.     

No sábado presenciamos uma cena ridícula e que era a cara do relacionamento absurdo que o colega tinha se metido. Estávamos conversando na varanda lá de casa, papo vai papo vem, e o assunto terminava no dito caso, quando de repente vislumbramos lá no horizonte, um pouco antes da praia, na pista de patins recém inaugurada, um casal passeando despreocupadamente de patins, de mãos dadas, possivelmente um casal de enamorados. Alexandre gritou - são eles !!! 
Era verdade, infelizmente o que víamos é o que jamais imaginaríamos ver. Nosso amigo de peito aberto, estava lá mostrando ao público pinense (como se fosse grande coisa) sua namorada. Era uma cena do fim dos tempos: ele de camiseta polo branca, bermuda jeans, tênis e meia soquete e ela de saia curta rosa, blusa de duas cores, meias soquetes coloridas, sapatos de meia altura,  tipo os personagens da novela Dancing-Days. 
Depois de quase uma semana de ausência o casal dava o ar da sua graça e mostrava a todos que o relacionamento era pra valer mesmo, existia amor, cumplicidade, e as famílias apoiavam (nós não) de bom grado.

Atravessamos a avenida e fomos de encontro ao casal. A medida que nos aproximávamos percebíamos os cochichos dos dois, os risinhos, as brincadeirinhas, as mãos aqui, as mãos acolá, que indicavam que durante a semana teria existido bem mais do que um simples abraço, um simples beijo, as intimidades tinham avançado com certeza.    



Vista do parque do ponto onde os três amigos vislumbraram o casal de mãos dadas patinando.

Foi com um breve olá que abordamos o casal. Vimos que a cena era mais bem mais feia do que do lado de lá da varanda de casa. Ela estava terrivelmente maquilada, muito parecida com a noite da boate, onde manchas brancas e rosas se estendiam canto a canto das bochechas. Vimos suas mãos já suadas entrelaçadas com as do nosso amigo ; vimos batom na sua camiseta ; vimos tanto carinho nas suas expressões; vimos tanta coisa...     
Sentimentos ambíguo passavam por nossas mentes: o que estávamos vendo na nossa frente seria culpa nossa, por não ter impedido no dia da boate, ou obra de um destino irremediável que o arrastou pra um relacionamento findado ao fracasso. e que as lembranças de tudo isso o atormentariam pelos restos dos seus dias (e aos dos nossos também). 
Sem muito mais o que conversar partimos pro Telhado Azul e deixamos o casal livre pra continuar seu passeio mal-assombrado pelo parque.    
         




Vista lateral do parque.



O fim do tormento.

 No domingo, após o encontro no parque, decidimos aplicar o golpe fatal, usaríamos da justificativa que ele estava se afastando do nosso convívio, largando os amigos estimados por um caso que não teira chance alguma de sucesso. 


Após o futebol na praia, passando longe do meio-dia, partimos em direção a Peixada do Lula que tinha um dos melhores caldinhos de peixe da região, e a cerveja era conhecida como uma das mais geladas dos becos do Pina. Nosso amigo foi junto. Foi muita conversas, um longo bate-papo de frente pro mar, as conversas rolavam animadamente.. Num dado momento pressionamos o Don Juan e iniciamos uma série de questionamentos em tom de possibilidade que o deixou pensativo e acabrunhado:   .

- imagine seus dias junto da parentela Adams.
- imagine seus dias na praia com ela.
- imagine seus dias sem a cerveja conosco no bar.
- imagine suas tardes passeando de patins.
- imagine seus dias acariciando aquela mãozinha áspera.
- imagine seus noite provando aquele língua de lixa de tubarão.
- imagine seu DNA misturado com o dela gerando novos DNAs.

A pressão surtiu efeito, fomos duro demais e as alternativas fizeram nosso amigo balançar e despertar pra realidade e ver que o buraco era mais mais embaixo do que imaginava.. A medida que o tempo passava e a cerveja ira fazendo seu efeito percebemos que essa noite seria a última noite do casal. Enfim, havíamos conseguido quebrar o encanto e passamos a ter certeza que a partir da semana que se seguia teríamos o retorno do amigo, completando o quarteto que fora rebaixado a trio durante intermináveis e longos 7 dias.

Por encanto essa noite foi iluminada por uma lua maravilhosa, sem nuvens, o vento soprou suavemente, as folhas dos coqueiros balançavam suavemente e os cães, agora bem alimentados, passeavam tranquilamente pelos becos do pina . Era uma nova era de paz e prosperidade que se alumiava pra nós. 





Outras moradias da família Adams : o prédio azul chama-se "Oceânia" e o branco ao lado - escondido pelas árvores "Beira Mar".



Última moradia conhecida da família Adams - Edifício Mar del Plata